Reforma pode permitir que empresas ‘precifiquem’ a vida dos trabalhadores, diz juiz Felipe Bernardes

A tragédia em Brumadinho (MG) com o rompimento da barragem da Vale expôs na prática um dos pontos mais polêmicos da Reforma Trabalhista. O artigo 223G, parágrafo 1º, da nova CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) limita a indenização por dano moral a 50 vezes o salário do empregado.

A constitucionalidade do dispositivo está sendo questionada no STF (Supremo Tribunal Federal) em ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) ajuizada pela Anamatra por ferir independência do magistrado para determinar indenizações em casos concretos. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, emitiu parecer favorável ao pedido da associação, no final do ano passado.

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Na avaliação do juiz do Trabalho da 1ª Região Felipe Bernardes a limitação da indenização pode permitir, no limite, que uma empresa “precifique” a vida de seus funcionários. O magistrado explica que, eventualmente, uma empresa poderia concluir que é mais vantajoso, do ponto vista financeiro, correr o risco do acidente do que adotar as medidas necessárias para evitá-lo.

“Essa previsibilidade pode fazer com que seja interessante não investir na segurança. A empresa pode prever qual será o custo da reparação de danos morais e incluí-lo como despesa operacional. Além disso, a tragédia pode acontecer ou não. Já os gastos com as medidas de prevenção são certos. A empresa pode decidir correr este risco”.

Nesta terça-feira (5), o Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) também ajuizou uma ADI no STF contra o dispositivo da Reforma. Para  entidade, a norma pode “estimular as grandes empresas a negligenciarem os direitos sociais garantidos ao trabalhador”.

As duas ADIs também questionam o princípio constitucional da isonomia. Ao vincular o valor da indenização ao salário do trabalhador, a nova CLT permite que empregados vítimas de um mesmo acidente recebam quantias diferentes. Por exemplo, a família de um gerente pode receber indenização muito maior do que parentes de um empregado com nível técnico.

“Na minha avaliação fere a isonomia. Mas é uma questão polêmica porque muitos juízes entendem que o salário seria uma forma de mensurar o dano moral. Da forma como foi colocada na reforma não há nenhum outro critério. O juiz precisa ter uma margem de liberdade para definir um valor maior ou menor levando em conta o porte da empresa e o caráter pedagógico da condenação”, completou.