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'Universitárias me dizem que não sabiam que ‘nós’, negras, podíamos ser juízas', diz Bárbara Ferrito

'Universitárias me dizem que não sabiam que ‘nós’, negras, podíamos ser juízas', diz Bárbara Ferrito


Bárbara de Moraes Ribeiro Soares Ferrito, 35 anos, faz parte de uma minoria, um pequeno grupo de cidadãos brasileiros. Ela é uma juíza negra. Segundo dados da pesquisa sociodemográfica do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), as mulheres representam apenas 38% dos magistrados brasileiros. Quando o corte é feito considerando raça/cor, somente 18% dos magistrados se declaram pretos ou pardos.

A falta de representatividade pode ser comprovada na comparação com a sociedade de forma geral. No TRT-1 (Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região), mais de 90% dos magistrados são brancos. No entanto mais da metade da população do estado do Rio é composta por negros ou pardos.

Nesta terça-feira (20), é comemorado o Dia da Consciência Negra. A data foi instituída em referência ao dia da morte de Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo de Palmares. É uma oportunidade para uma reflexão sobre o racismo, a discriminação e a igualdade racial na sociedade brasileira.

“Para além da mera lembrança de uma luta que se encerrou, o Dia da Consciência Negra nos convida a refletir sobre a sociedade atual e sua capacidade de acolher todos os indivíduos em igualdade real. Superando os clichês que limitam o pensamento, devemos refletir sobre os mitos e imaginários que rodeiam os conceitos de raça, de negro e de branco”, afirmou a juíza à AMATRA.

‘A doutora não tem cara de juíza!’

Bárbara Ferrito é formada pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), instituição na qual está cursando mestrado. Ela ingressou na magistratura em 2015 no TRT-18 e removeu-se para o TRT-1 no mesmo ano. Ela conta que as pessoas ainda se surpreendem ao encontrar uma juíza negra.

Feições de surpresa e reações do tipo “A doutora é diferente, né?” ou “A doutora não tem cara de juíza!” são comuns na vida profissional de Bárbara Ferrito. “Mas o que mais me impressiona é a surpresa dos jovens. Já fui abordada em duas ocasiões, após palestras ou manifestações em eventos acadêmicos por jovens universitárias que relataram não saber que ‘nós’ [negras] podíamos ser juízas.”

‘O racismo é devastador’

Atuar na magistratura sendo mulher e negra é um enorme desafio, diz Bárbara Ferrito. Ela explica que muitas vezes o racismo existe, mas a manifestação, apesar de sentida, não é de fácil comprovação. “O racismo é algo devastador. As chamadas microagressões são justamente essas pequenas ‘lembranças’ do ‘lugar do negro’, imperceptíveis como ofensa para quem não é negro, até mesmo para o ofensor, mas que têm um impacto emocional muito grande”.

Um dos principais desafio no combate ao racismo é escapar da concepção do racismo no âmbito das ações individuais. Segundo a magistrada, não se trata de “procurar pessoas racistas”. “O racismo é estrutural, o que significa que ele molda a sociedade, por isso seu combate é tão difícil. Temos de superar o paradigma de culpa e intencionalidade, para adotar outros conceitos que deem conta do fenômeno.”

Para enfrentar esse desafio, Bárbara Ferrito conta com o apoio de muitos colegas no TRT-1. Pessoas sensíveis ao tema, apesar de não sofrerem com o racismo. No início do mês, a magistrada participou do 2º Encontro Nacional de Juízes e Juízas Negros, em Brasília. São evento que, segundo a juíza, ajudam a reavivar energias para seguir “nessa caminhada tão particular.”

“O encontro serve para dar voz a um grupo muitas vezes esquecido em seus interesses próprios. Para a sociedade brasileira, mostra pessoas que venceram barreiras consideradas intransponíveis. Esclarece que ‘magistratura é coisa de preto’ e que qualquer um pode ocupar lugares de decisão. Isso estimula novos sonhos e projetos e incute nos jovens negros do país que há novos lugares a serem ocupados. E, finalmente, para os juízes negros, é o alívio de encontrar pessoas com experiências próximas, que veem a perplexidade do racismo cotidiano, estruturado e estruturante na sociedade”, disse Bárbara.