10 de julho de 2020 . 15:04

30 anos do ECA: estudantes dão depoimentos sobre o estatuto

“As crianças e os adolescentes precisam ser protegidos, por conta desse mundo cruel, de tantas maldades e racismo!” A estrofe do poema “Um sorriso de uma criança ou de um adolescente vale mais que tudo” foi escrita pela estudante Niessa Nicolle Ximenes Farias, de 16 anos, para uma atividade de Língua Portuguesa da Pastoral do Menor sobre os 30 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Sancionada em 13 de julho de 1990, a lei é um marco regulatório dos direitos de meninas e meninos no Brasil e busca certificar o acesso à vida, à saúde, à educação, à cultura, à liberdade, ao respeito, à dignidade, à convivência familiar e comunitária, entre outros.

Para Clarice Cruzeiro, mulher transexual que trabalha como jovem aprendiz com vínculo pelo Camp Mangueira e estuda Serviço Social na UERJ, “o ECA é fundamental para assegurar os direitos das crianças e adolescentes, como a proibição do trabalho infantil, que ainda é uma realidade no Brasil. Crianças de menos de 10 anos estão trabalhando e não têm direito à infância, à liberdade”.

Esse também é o entendimento de Marina Vieira. Jovem aprendiz pela mesma instituição no cargo de auxiliar administrativo e estudante de Biologia, ela afirma que o estatuto é essencial. “A sociedade precisa desse amparo e suporte para poder construir sua estrutura para o futuro. O ECA trata dos nossos direitos e deveria ser ainda mais efetivado”, diz.

Marina Vieira acredita que o Estatuto da Criança e do Adolescente é fundamental. Arquivo pessoal.

Ex-jovem aprendiz e atualmente educadora da Pastoral do Menor no Rio de Janeiro, Ane Caroline Alves acredita que a lei foi criada para ajudar as pessoas e se torna mais importante em momentos de crise, como a pandemia do novo coronavírus. No entanto, destaca que o conteúdo do estatuto ainda é pouco difundido. “Infelizmente, muitas famílias e instrutores não conhecem a importância dessa lei. Existe muita desinformação, por isso precisamos falar mais sobre o ECA.”

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Entre os empecilhos para o cumprimento integral do estatuto, Clarice aponta a desigualdade social. “De forma geral, o conteúdo é muito bom e agrega positivamente. Mas acredito que ainda não seja tão bem cumprido e divulgado de forma abrangente para a população.” Ela indica que debates sobre temas específicos precisam ser pautados para todas as crianças e adolescentes serem amparadas, sem discriminações, como prevê o parágrafo único do Art. 3º da Lei nº 8.069.

“O ECA precisa realmente contemplar todos - a criança que mora na comunidade, negra, trans ou LGBT. É preciso ter aprofundamento nos aspectos sociais. A realidade de uma criança negra que mora na Rocinha é totalmente diferente de uma criança branca que mora na Barra da Tijuca. Qual delas é mais suscetível a estar em situação de trabalho infantil? Qual delas tem mais chance de se sujeitar a trabalhos precários na adolescência para ajudar a renda da família? Qual delas não tem direito à liberdade?”, questiona.

Clarice Cruzeiro fala sobre desigualdade social entre crianças e adolescentes. Arquivo pessoal.

Educação para expandir informações sobre o ECA

Ane Caroline usa a técnica de aproximação e confiança para ensinar o conteúdo do estatuto de maneira eficiente aos alunos de 7 a 17 anos da Pastoral. “Além de educadora, me vejo como amiga das crianças e adolescentes. Quando comecei ter a noção do que realmente era o ECA, quis passar as informações sobre os direitos e deveres de forma natural. Isso é muito importante porque eles me têm como amiga também e, através disso, conversam comigo e me contam sobre a realidade deles. Assim, consigo instruir melhor sobre os direitos de cada um”, explica.

Ane Caroline passa informações sobre o ECA aos alunos da Pastoral do Menor. Arquivo pessoal.

Segundo Marina, a educação aliada à profissionalização é um caminho de sucesso para garantir os direitos dos adolescentes. “Sem educação, não temos uma estrutura forte para nos mantermos de pé. E a aprendizagem é uma iniciativa muito boa porque o mercado de trabalho é muito concorrido, requer muitas qualificações. Então, às vezes é muito complicado para o jovem que acabou de sair do Ensino Médio conseguir emprego. Capacitar os jovens para se preparem melhor e não ter tanta dificuldade é uma ótima oportunidade”, afirma a estudante.

Poemas sobre os 30 anos do estatuto

Nas aulas virtuais ministradas por Ivete Ferreira, professora de Língua Portuguesa do Programa de Trabalho Protegido na Adolescência da Pastoral do Menor do Rio de Janeiro, os estudantes foram instruídos a elaborar poemas e acrósticos em comemoração aos 30 anos do ECA, com o olhar de cada um sobre a realidade em que estão inseridos.

“Trabalhei a estrutura do poema e propus a atividade. Eles apresentaram trabalhos lindos. Não podemos subestimar os adolescentes pois eles têm coisas bonitas e pertinentes a apresentar”, afirma a professora. 

Os adolescentes abordaram temas como proteção aos direitos de crianças e adolescentes, desigualdade social, trabalho infantil e esperança. Veja alguns trabalhos abaixo.

Um sorriso de uma criança ou de um adolescente vale mais que tudo 

As crianças e os adolescentes
precisam ser protegidos,
por conta desse mundo cruel,
de tantas maldades e racismo!

Crianças e adolescentes têm que estudar
e ter liberdade de brincar,
que lá na frente,  eles salvarão o mundo!

Não importa o quanto será difícil
o importante é ver em cada rosto um sorriso! 

Não tem preço ver a felicidade de crianças e adolescentes!
Quando caem, nunca perdem a esperança,
se a pureza de criança for preservada

Da infância a adolescência, com dignidade e respeito,
Que todos têm direito!

Independente, se o dia for ruim ou bom,
Eles têm direito à saúde, ao alimento e à educação
E o sorriso contagiante, quem garante?
É o carinho e a proteção!  

- Niessa Nicolle Ximenes Farias, 16 anos - Rocinha

Desigualdade crucial 

Criança tem que brincar,
não brincar de trabalhar!
Atrapalhar o desenvolvimento
de um tempo
que, as vezes, nem um adulto
está acostumado
com o movimento. 

Crianças que sonham em ter uma boneca,
e o mais perto que chegam...
é de costurar uma roupa,
para alguma vó rica presentear a neta.
Essa é a realidade
da desigualdade social!

Ir para a rua...
“Vai brincar!?” NÃO!
apenas para ter a janta garantida. 

Olhando a lua da janela,
pensando em ter uma vida divertida
e talvez, em um domingo,
se divertir com as amigas...
mas, essa não é a sua realidade!

Se olha no espelho,
e vê o reflexo da maldade
se na infância já é assim,
imagina na maioridade!

Garantir o consumo da família
ou até a ceia de natal;

Essa é a realidade
da desigualdade social!
isso pode ser fatal,
para a saúde mental!
de um ser novo, inocente e especial
que já conhece, na pele, algo surreal!

Essa é a realidade
da desigualdade social!
Isso é normal?

- Thalyta Vitória De Araújo, 15 anos - Cidade de Deus

As vezes é preciso acreditar:
Crer que tudo vai passar,
Realizar um sonho,
Esperança não pode faltar!
Deixar o medo de lado e apenas acreditar!
Isto é uma fase
Tudo bem se
As vezes pensar em parar!
Retire essa pedra que há no caminho e continue acreditando!

- Micheli Dionizio, 17 anos, Cidade de Deus

*Foto: cedida por Ane Caroline Alves, educadora da Pastoral do Menor
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