29 de maio de 2020 . 16:35

A Justiça do Trabalho não para: magistrados relatam rotina na pandemia

Há pouco mais de dois meses, uma nova realidade foi imposta à Justiça do Trabalho. Devido à pandemia do novo coronavírus e ao necessário distanciamento social, magistrados de 1º e 2º graus e servidores passaram a atuar à distância, com a missão de manter a prestação jurisdicional diretamente de suas casas. Mesmo na crise, decisões do Judiciário trabalhista continuam amparando os trabalhadores, em especial os que permanecem em atividade em meio à calamidade na saúde.

Desde 16 de março, o TRT-1 determinou pagamentos no valor de R$ 408 milhões e produziu mais de 4,3 milhões de atos. Para o combate à pandemia, o Tribunal já liberou cerca de R$ 6 milhões. O TRT-1 disponibilizou o painel “Covid-19: atos e produtividade”, para dar transparência à atuação de juízes e desembargadores durante a crise.

“A Justiça do Trabalho está mostrando como é importante não só porque não parou de funcionar durante a pandemia, mas também porque tem liberado milhões de reais para os trabalhadores e instituições que prestam serviços relevantes à sociedade neste momento. Tem mostrado a força de sua ação judicial para proteger os trabalhadores essenciais, garantir os direitos dos mais necessitados e apoiar instituições com verbas fundamentais para seu pleno funcionamento na crise”, afirmou o desembargador Mário Sérgio Medeiros Pinheiro.

A proteção da saúde e segurança de trabalhadores como médicos e enfermeiros têm sido uma das demandas prioritárias do gabinete da desembargadora Marise Costa Rodrigues. Junto aos servidores, ela também tem atuado para a “liberação de recursos financeiros para sobrevivência dos mais afetados pelo caos generalizado”.

Nas varas do Trabalho, o tema é recorrente. “A prioridade é liberar todos os alvarás possíveis, especialmente em questões ligadas ao coronavírus. Liberamos tutelas provisórias e tutelas de urgência que estão sendo requeridas, por exemplo”, disse Maria Alice de Andrade Novaes, juíza titular da 50ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro.

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A juíza Cissa de Almeida Biasoli, da 75ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, tem usado a plataforma SisconDJ para facilitar o pagamento de verba para as partes, já que a ferramenta dispensa o comparecimento às agências bancárias. “Temos priorizado muito os alvarás, para garantir a liberação de valores e questões urgentes.”

A liberação de quantias às partes foi foco do juiz Igor Fonseca Rodrigues no início da pandemia, para “não deixar o dinheiro parado na Justiça”. “Agora, estamos mais focados nos processos de execução, em que a audiência não é necessária. Para trabalhar onde é possível”, completou.

Adaptação ao trabalho remoto

Empossada desembargadora do TRT-1 em janeiro, Alba Valéria Guedes Fernandes da Silva precisou se adaptar à nova rotina, agora em home office. “Atuei por muitos anos em primeiro grau e ainda estava em fase de adaptação no segundo grau, interagindo e conhecendo o grupo. Tive um pouco de dificuldade para sintonizar o trabalho mas, passadas duas semanas, deu tudo certo. Conversamos sempre, criamos uma conexão”, afirmou.

A interrupção do trabalho presencial foi como um “choque de realidade” frente ao que os brasileiros passariam a enfrentar, destacou Marise. 

“Foi preciso sopesar rapidamente necessidades, físicas e emocionais, com o objetivo de dar continuidade à prestação jurisdicional à distância, atendendo às demandas urgentes. Foi urgente para cada um de nós, servidores e magistrados, administrar como cada um daria conta do recado. As providências envolveram não só o aparelhamento físico (ambiente de trabalho e equipamentos) como também como se concentrar com ‘casa cheia’, com atribuições domésticas/familiares concorrendo com as laborais.”

Desembargadora Marise Costa adaptou a rotina de trabalho durante a pandemia. Arquivo pessoal.

Para Igor, trabalhar junto à família tem sido “um cenário completamente novo”. “Preciso cuidar do meu filho, trabalhar e revezar com o trabalho de casa. Minha esposa é advogada e também está trabalhando de home office”, contou. Segundo o magistrado, permanecer em atividade de casa é uma a possibilidade importante. “Ajuda a ‘colocar as coisas para frente’ e contribui também para mantermos a saúde mental. Muitas pessoas que não conseguem exercer as funções à distância e pararam de trabalhar relatam crises de ansiedade.”

Alba Valéria adotou um método específico para conseguir conciliar a vida profissional e os cuidados pessoais e com a família. “Meu esposo também está trabalhando em casa e meu filho está fazendo aula on-line. Então, criei o hábito de intercalar o trabalho com algo da casa.” 

Além da atividade na magistratura, Mário Sérgio está se dedicando ainda mais aos afazeres doméstico. “Antes, cozinhava mais aos fins de semana, como hobby. Agora, cozinho de segunda a sexta, faço faxina, vou ao mercado”, disse. O desembargador organizou a rotina de trabalho remoto com os servidores e mantêm contato e atuação com os colegas da 1ª Turma, com quem tem sido “muito fácil trabalhar” nesse período devido ao “espírito colaborativo de todos”.

Desembargador Mário Sérgio tem conciliado a magistratura aos afazeres domésticos. Foto: Thais Gabrich

Magistrados e servidores usam a tecnologia para manter trabalho

Já acostumada a trabalhar à distância, Cissa passou a manter maior contato com os servidores pelo endereço eletrônico do Tribunal. “Foi uma boa medida porque posso mandar e-mail a qualquer hora, assim como eles também, mas todos só terão acesso quando estiverem efetivamente em horário de expediente. Precisamos adaptar a rotina à realidade atual.”

O aspecto emocional e de saúde dos servidores tem sido uma preocupação para Cissa. “Fazemos reuniões semanais pela plataforma do CNJ para saber como estão, porque cada um está vivenciando o momento de forma diferente. A questão ergonômica também me preocupa, porque muitas residências não estavam preparadas para o dia a dia das atividades profissionais”, disse.

Aplicativos de mensagens têm sido sido aliados para manter a comunicação entre os integrantes das equipes. A juíza Maria Alice, que já tinha um grupo com os servidores antes da pandemia, usa a plataforma. 

“Já faziamos muitas reuniões por videochamada. A comunicação está sendo normal, porque todos dominam as tecnologias. Por exemplo, quando alguém quer um modelo de despacho, a gente sobe o documento no grupo e todos analisam”, contou.

Marise avaliou o uso da tecnologia para dar continuidade à prestação jurisdicional. “Reconheço que os meios eletrônicos mantiveram alguma aproximação virtual, viabilizaram a continuidade dos estudos e dos julgamentos, inaugurando as sessões telepresenciais, inclusive com a participação dos advogados. Apesar da resistência inicial à nova modalidade de julgamento e a insegurança gerada, me parece que é o que nos cabe no momento, com toda a razoabilidade e cuidado essenciais ao acesso à Justiça, ampla defesa e contraditório.”

*Foto: Freepik < VOLTAR