19 de maio de 2021 . 14:33

Abuso sexual de crianças ocorre todo dia, e perto de nós, afirma Adriana Leandro

No Dia de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, a juíza do Trabalho Adriana Leandro, 2ª vice-presidente da AMATRA1, e a assistente social do Camp Mangueira Jaqueline Marques participaram de uma live, promovida pela Associação, para chamar a atenção para as graves violações sofridas por milhares de meninas e meninos brasileiros. O ponto de partida da conversa, nesta terça-feira (18), foi o documentário brasileiro “Um crime entre nós”. A transmissão foi pelo canal da AMATRA1 no YouTube e no Facebook.

O evento contou com uma apresentação da artista Eliana dos Santos Alves Nogueira, exibida no seminário organizado pelos cinco Tribunais Regionais do Trabalho do Sudeste. Eliana encenou a história de Araceli Cabrera, menina de 8 anos que foi estuprada e assassinada em 1973, num 18 de maio. “O caso Araceli deu origem a esta data emblemática. Sabemos que, além dela, tantas outras vítimas com histórias trágicas se seguiram posteriormente”, afirmou Adriana. 

A magistrada destacou que o abuso e a exploração sexual infantil acontecem em qualquer classe social, e que, no documentário, filmado entre 2018 e 2019, o tema é tratado como uma epidemia, tamanha a sua gravidade. A partir de conversas com especialistas e personalidades, como o médico Drauzio Varella, o apresentador Luciano Huck e a youtuber Jout Jout, o filme também fala de questões de gênero, impunidade, consumo de pornografia, ensino da educação sexual nas escolas e discussões relativas ao machismo.

“Várias celebridades participaram do documentário, porque o grande objetivo foi dar visibilidade ao assunto. Precisamos falar disso, promover a conscientização e quebrar o tabu sobre o tema. Crianças e adolescentes são abusadas todos os dias, muito próximo de nós, e o número de denúncias é pequeno”, disse a juíza.

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A diferença entre o abuso e a exploração sexual foi explicada por Jaqueline Marques. Segundo a assistente social, a exploração sempre está acompanhada do abuso, mas o abuso não necessariamente contém exploração.

“A  exploração tem cunho monetário, ou seja, vai gerar uma renda para alguém - em geral, para aliciadores que organizam o grupo que está sendo explorado. Já o abuso acontece sem necessariamente envolver a renda, podendo ser um pai que abusa da filha, um tio que abusa da sobrinha, um avô, um vizinho. O abuso não necessariamente chega a virar exploração, mas isso pode acontecer”, esclareceu.

Estatísticas de violência sexual infantil são alarmantes

Adriana apresentou dados do 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que mapeiam o cenário da violência no país. De acordo com o levantamento, foram mais de 66 mil estupros em 2018 - uma média de 180 ocorrências por dia, sendo que 81,8% das vítimas eram mulheres. Mais da metade, 53,8%, são meninas de menos de 13 anos, e a frequência chega a quatro meninas a cada hora.

“É uma estatística muito alarmante. E esses são apenas os casos denunciados, porque a violência costuma acontecer intramuros, então nem sempre há denúncia. O filme mostra o relato de uma menina de 10 anos que foi abusada pelo padrasto, a mãe flagrou e fingiu que aquilo não aconteceu. Então, a menina continuou sendo abusada sucessivamente”, contou a juíza. 

Jaqueline concordou que a subnotificação é uma realidade, já que a grande maioria dos episódios não é relatada às autoridades. “O filme traz uma fala que nos leva a refletir: ou denunciamos ou somos cúmplices. Não existe uma terceira via em casos de abusos”, defendeu. 

A assistente social reforçou que o papel de todos os cidadãos é denunciar as situações que possam colocar em risco a segurança de crianças e adolescentes. Um exemplo é a reclamação que turistas podem fazer caso hotéis e pousadas não peçam a documentação de menores de idade. A falta de identificação e comprovação de parentesco com menores de idade facilita a prática de turismo sexual, principalmente em regiões litorâneas do país, indicou a assistente social.

“Quando viajamos, dificilmente encontramos locais que pedem os documentos da criança ou do adolescente que nos acompanham. Costumamos fazer essa denúncia? Porque o estabelecimento, de certa maneira, também está sendo conivente. Existe uma cadeia de turismo sexual, no Brasil e no mundo todo. Precisamos nos atentar a isso.”

Aumento de casos na pandemia

O contexto da pandemia da Covid-19 favoreceu o aumento de ocorrências de abusos e exploração sexual infantil dentro das residências. “Com o isolamento, os casos aumentaram ainda mais, porque as crianças e os adolescentes passaram a ficar mais tempo na companhia dos abusadores”, lamentou Jaqueline. 

Nas rodovias, o crescimento também foi registrado, completou Adriana. “Isso acontece na beira das estradas, e não há efetivamente uma fiscalização suficiente para coibir a prática. Reportagens mostram relatos muito tristes, em que meninas se vendem para comprar comida. Já temos notícias assim fora da pandemia, então conseguimos imaginar como está na pandemia, com esse caos econômico.”

Jaqueline também assinalou a importância de não se estereotipar a figura dos abusadores nas estradas. “Tendemos a pensar que é o caminhoneiro, mas, na maioria das vezes, não é. Pelo contrário, ele é a figura que acaba, de alguma forma, denunciando a situação da menina, a levando para outro espaço. Os maiores abusadores são turistas, pessoas que estão viajando pela área e usam esse tipo de ‘serviço’”, disse.

Veja a live na íntegra:
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