04 de junho de 2021 . 12:02

Bianca Vedova condena empresa por dispensa discriminatória de idoso

Por entender que um trabalhador idoso, integrante do grupo de risco da Covid-19, foi dispensado de forma discriminatória, a juíza do Trabalho Bianca da Rocha Dalla Vedova condenou a empresa M Dias Branco S.A Indústria e Comércio de Alimentos a pagar indenizações por danos morais e compensatória. Em exercício na 74ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, a magistrada concluiu que a companhia dispensou os empregados que tiveram os contratos interrompidos anteriormente, sem optar pela possibilidade de suspensão dos pactos laborais ou adoção de outras medidas para manter o maior número de vínculos de emprego, como previsto na Lei 14.020/20.

“Contando com 60 anos de idade e mais de 15 anos de serviços, sem nenhuma falta disciplinar comprovada nos autos, forçoso concluir que a demandada entendeu pela rescisão do vínculo empregatício com o reclamante não por motivos de insatisfação com o seu desempenho profissional, mas meramente por se tratar de pessoa idosa, pertencente, assim, ao grupo de risco da Covid-19, condição única que o enquadrou na hipótese de afastamento do emprego e consequente despedida sem justa causa”, destacou a juíza, em sua decisão.

Na ação, o trabalhador, contratado em 11 de novembro de 2004, contou que, devido à pandemia, a empresa fez uma seleção dos empregados que se enquadravam no grupo de risco da Covid-19, em março de 2020. Por ser idoso, ele foi um dos afastados da função, com a permanência da remuneração. Após o período de afastamento, o empregado entrou de férias e, ao retornar, foi informado de que os trabalhadores do grupo de risco deveriam ficar em casa.

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Em 17 junho, durante reunião convocada pela empregadora, o promotor de vendas e outros integrantes do grupo de risco foram comunicados da demissão, assim como do cancelamento do plano de saúde. O homem também afirmou que a empresa não sofreu consequências financeiras negativas decorrentes da crise, relatando que, em abril, a empresa anunciou a abertura de 500 vagas temporárias.

Sendo assim, ele procurou a Justiça do Trabalho para solicitar o reconhecimento da dispensa discriminatória e o pagamento de indenização compensatória, desde a demissão até o fim da pandemia. Também requereu indenização por danos morais, devido aos efeitos da demissão irregular.

A empresa negou, em sua defesa, ter dispensado o trabalhador por motivo discriminatório, ressaltando ter tido zelo constante com os empregados. Destacou ter escolhido liberar os trabalhadores do grupo de risco de suas funções, sem prejuízo de salários e benefícios, em vez de suspender o contrato de trabalho - medida prevista na Lei nº 14.020/20. Também pontuou que a dispensa, em junho, aconteceu três meses depois da declaração da pandemia da Covid-19, e que as vagas temporárias oferecidas eram para 15 unidades diferentes, não subsistindo a alegação de que foram contratados novos empregados para substituição dos integrantes do grupo de risco.

Em sua análise, a juíza Bianca Vedova, diretora da AMATRA1, constatou que a empresa, mesmo com o crítico cenário econômico provocado pela crise sanitária instalada no país, teve crescimento de 140,8% em seu lucro líquido no primeiro trimestre de 2020. Bianca ressaltou que, visando se manter ativa no mercado e suprir a ausência dos trabalhadores do quadro mais vulnerável ao vírus - preventivamente afastados -, a empregadora ainda contratou trabalho temporário, fato que foi comprovado por um anúncio de vagas juntado aos autos. 

A magistrada pontuou, ainda, que o fato de a companhia estar em estabilidade financeira não a obriga a manter todo o seu quadro de empregados enquanto durar a situação de calamidade pública sanitária, sendo livre para escolher se mantém ou não um contrato de trabalho.

“No entanto, a resilição contratual pautada no fato de o empregado se enquadrar em grupo de risco do coronavírus denota um tratamento não isonômico, direcionado a um grupo com características específicas, e que, portanto, não se coaduna com o Direito Constitucional e Trabalhista. Com efeito, o ordenamento jurídico atribui ao empregador o direito potestativo de dispensar seus empregados de forma imotivada, embora tal direito não seja ilimitado,  havendo restrições para seu exercício, como a proteção contra a dispensa discriminatória”, afirmou.

Bianca Vedova, então, reconheceu o caráter discriminatório da dispensa e o direito do promotor de vendas ao recebimento do dobro da remuneração relativa ao período de afastamento, com base no art. 4º, inc. II, da Lei 9.029/95. A juíza também fixou o valor da indenização por danos morais em R$ 10 mil, considerando a gravidade do evento danoso, especialmente pelo fato de o trabalhador ser um idoso e, por isso, pertencente ao grupo risco da Covid-19, o que dificulta sua reinserção no mercado de trabalho.

Número do processo: 0100836-03.2020.5.01.0074

*Foto: Freepik < VOLTAR