15 de junho de 2020 . 16:49

Figura do ‘bom’ empregador doméstico é discutida em live da AMATRA1

A classificação da “boa” empregada doméstica, do “bom” empregador, e questões sociais e trabalhistas envolvidas neste tipo de relação foram alguns dos destaques da live da AMATRA1, transmitida na última sexta-feira (12), no perfil da entidade no Instagram (@amatra1). A juíza do Trabalho Bárbara Ferrito, diretora da associação, e a professora de direito da PUC-Rio Gisele Cittadino, exploraram pontos históricos do contexto brasileiro a partir do filme “Que Horas Ela Volta?”, tema do debate. 

“A discriminação é quase imperceptível aos olhos de quem a pratica”, destacou Bárbara Ferrito sobre a relação que os empregadores de Val (Regina Casé) e a empregada doméstica acreditam ter. Na trama, Val é considerada “praticamente um membro da família” que a contratou. Ela mora há mais de dez anos com os patrões e, por ter criado vínculos afetivos com eles, não vê problema em ter restrições no espaço onde moram. No quarto onde dorme não há janela e a empregada não pode acessar a piscina, o que parece “natural” para quem é uma operária do lar.  

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Cenário que mantém sua base sobre pilares do Brasil colônia. “Nunca discutimos a saída de lá, e se observarmos a figura da empregada doméstica, podemos ver que esse Brasil de longínquo não tem nada”, classificou Gisele Cittadino. “A relação da sinhazinha e as escravas também era considerada harmoniosa. Mas isso significa que não era passível de violência? Claro que não”, reforçou. Para a professora de Direito, não é possível equiparar o empregador doméstico e o senhor escravocrata, mas seus lugares de poder “são idênticos em tempos diferentes”, uma vez que têm como tema central o trabalho feito dentro do espaço da casa. 

“Na fala de Val é possível observar que ela repete várias vezes que ‘mora no serviço’. Isso traz muita confusão porque aquilo não é a casa dela, mesmo que ela acredite ser bem tratada por ter direito a uma cama e a tomar sorvete”, pontua. Gisele lembra ainda que, mesmo diante do abismo econômico que separam empregada e patroa, há similaridades entre as personagens. Como, por exemplo, o fato das duas terem terceirizado a educação dos filhos. “Val vem do Nordeste, deixa a filha sob o cuidado de outras pessoas para prover renda. E a patroa entrega os filhos aos cuidados de Val para dar conta da carreira profissional. É a mesma lógica.” 

A relação entre os personagens é profundamente alterada quando a filha de Val, Jéssica (Camila Márdila), sai de Pernambuco e passa a morar na mesma casa, fazendo com que empregada doméstica comece a reivindicar direitos. “A filha mostra que a mãe não é uma cidadã de segunda categoria. Jéssica aponta, inclusive, que não se acha melhor do que os outros, mas que também não se acha pior. O que fala muito da postura que ela tem em relação ao outro e que ela tenta passar para a mãe”, destaca Bárbara. Tais ensinamentos fazem com que Val crie uma nova versão: mais questionadora, menos submissa e que se vê empoderada depois da aprovação da filha no vestibular. O que traz ainda mais incômodos aos patrões. 

Para Gisele e Bárbara, o filme vai além do cenário do trabalho doméstico, e se expande também para uma crítica às relações sociais, como um todo, no Brasil. Além das marcas da colonização, Gisele e Bárbara destacaram outros problemas que estão longe de serem solucionados. “A exploração no trabalho se torna ainda mais forte porque vivemos em uma sociedade que nunca rompeu com o racismo”, disse Gisele. O que agrava ainda mais o apagamento das divisões de raça, conforme observou Bárbara. “No Brasil, não temos dificuldade só de lutar contra o racismo, mas também de entender quem sofre racismo e quem não sofre.”

Veja a live na íntegra:
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