12 de fevereiro de 2021 . 13:43

Glaucia Gomes e Bernardes comentam uso de justa causa por recusa à vacina

“A vacinação é essencial para a manutenção de um ambiente de trabalho saudável. Um indivíduo — no caso, um trabalhador — não vacinado pode comprometer a higidez do meio ambiente de trabalho.” Este é o entendimento da juíza Glaucia Gomes, diretora da AMATRA1. Recentemente, a possibilidade de demissão por justa causa a empregados que se recusarem a tomar a vacina contra a Covid-19 de forma injustificada foi expressa em um guia técnico interno do Ministério Público do Trabalho (MPT). Segundo o juiz do Trabalho Felipe Bernardes, “a vacinação transcende o interesse do trabalhador” e a negação sem justificativa pode motivar a dispensa com base no artigo 482, letra B, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

“Esse dispositivo prevê as hipóteses de justa causa e de mau procedimento, que é um conceito genérico, aberto, que precisa ser visto em cada caso concreto, fazendo adequação. Esse dispositivo também se interpreta conjugado ao artigo 422 do Código Civil, que exige a boa fé na execução dos contratos. Apesar de estar no Código Civil, se aplica também no Direito do Trabalho por força do artigo 8 da CLT”, explicou o magistrado.

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Para Bernardes, a ideia de boa fé traz o dever de considerar as expectativas do outro, e a recusa sem fundamento viola direitos de terceiros, já que colegas de trabalho podem ser contaminados em decorrência de uma escolha individual. “E o próprio empregador pode vir a ser responsabilizado, responder civilmente e ter que pagar indenização por danos morais e materiais caso o trabalhador adquira a doença em decorrência do trabalho”, completou.

Obrigatoriedade da vacina contra a Covid-19

Glaucia Gomes pontuou que, em dezembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu sobre a obrigatoriedade da vacina contra a Covid-19, sob o argumento de que, apesar da liberdade inviolável de consciência e de crença, de disposição do próprio corpo em caráter individual, deve prevalecer o direito à saúde coletiva. A corte também determinou que a vacinação forçada é proibida, e que a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios podem estabelecer sanções a quem recusar a imunização injustificadamente.

“Não se fala textualmente da possibilidade de um empregador (ou de outras pessoas jurídicas de direito privado) criar sanções ou impedimentos àqueles que se recusarem à vacinação, mas, penso, há argumentos razoáveis no sentido positivo, especialmente, porque é seu dever constitucional zelar pelo ambiente de trabalho saudável e seguro”, disse.

A penalização, no entanto, caberia apenas aos casos injustificados, cabendo argumentação do trabalhador para situações de impossibilidade de vacinação. “Se houver uma justificativa razoável, como o trabalhador ter alguma alergia comprovadamente ou outra condição que possa gerar um risco para ele, o ato é justificado e não viola a boa fé. Portanto, não é um ato que pode dar base a uma justa causa”, afirmou Felipe. Uma solução para estes casos especiais, como indicou Glaucia, seria a possibilidade de trabalho à distância, para que os empregados possam executar as tarefas sem se expor e expor os demais ao risco de contaminação.

Conscientização dos trabalhadores

O guia do MPT orienta que a demissão por justa causa seja aplicada como último recurso e prevê procedimentos a serem adotados pelas empresas, como a informação dos trabalhadores a respeito da importância da imunização individual e coletiva e as consequências jurídicas da recusa. De acordo com Felipe Bernardes, é preciso haver diálogo entre empregador e empregado, “sempre à luz da ideia de boa fé”, para que sejam compreendidos os motivos pelos quais há a recusa à vacina e a empresa poder guiar sua atuação em cada caso.

“As normas internas devem ser claras e incluir ampla campanha de conscientização e esclarecimentos quanto à importância da imunização para o coletivo de trabalhadores e prever especificamente o tipo de sanção que será adotada, como impedimento de acesso às dependências da empresa, advertência, suspensão, dispensa, entre outras”, completou Glaucia Gomes.

Em caso de demissão na modalidade de justa causa, o trabalhador recebe apenas o saldo de salário, férias e 13º salário integrais, se houver. Perde-se, portanto, o direito ao recebimento da multa de 40% sobre o saldo do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), de acessar a conta vinculada do FGTS pelo motivo de dispensa, de receber pelo aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, de se habilitar ao recebimento do seguro desemprego e ao 13º salário e férias proporcionais (essas últimas, pelo entendimento majoritário da jurisprudência).

*Foto: Governo de São Paulo < VOLTAR