20 de maio de 2020 . 16:31

Juízes atuam para proteger integridade física e mental de trabalhadores da saúde

Durante a pandemia do novo coronavírus, a Justiça do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho (MPT) têm atuado para preservar a integridade física e psicológica de profissionais da saúde. Após o MPT ajuizar Ações Civis Públicas contra quatro grandes hospitais municipais do Rio de Janeiro — Souza Aguiar, Lourenço Jorge, Salgado Filho e Miguel Couto —, os magistrados Daniela Valle da Rocha Muller, Danusa Berta Malfatti e Michael Pinheiro McCloghrie deferiram liminares favoráveis aos direitos dos trabalhadores. Uma quarta decisão, referente ao Miguel Couto, ainda não foi proferida, tendo sido as partes intimadas para manifestações. Entre as determinações, está o fornecimento de atendimento psicossocial a médicos, enfermeiros, técnicos e demais empregados das unidades.

Para a juíza Daniela Muller, o apoio de psicólogos e psiquiatras aos que estão na linha de frente de combate da doença é fundamental, já que “o adoecimento não se dá apenas pela contaminação do vírus”. Titular da 9ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, a magistrada deferiu tutela de urgência para determinar o cumprimento de obrigações ao hospital Salgado Filho.

“O meio ambiente de trabalho degradado também adoece psicológica e psiquiatricamente os profissionais. Além da carga de trabalho muito pesada, os trabalhadores estão tendo que lidar com muitas mortes, o que trás um peso emocional grande. O estresse e a insegurança relacionados ao ambiente também aumentaram. Além disso, muitos precisam se isolar e não podem ter contato com a família”, afirma.

À frente da ação coordenada do MPT nos hospitais, a procuradora do Trabalho Juliane Mombelli confirmou as denúncias de irregularidades trabalhistas por meio de elementos de verificação, como relatórios de órgãos de fiscalização de categorias e de sindicatos, e de oitivas com trabalhadores. Segundo a procuradora, algumas das irregularidades constatadas nas unidades de saúde são a insuficiência dos equipamentos de proteção individual (EPIs); armazenamento inadequado de cadáveres; falta de treinamento e capacitação dos trabalhadores para a prestação de assistência correta aos pacientes com Covid-19; ausência de testagens da doença; e falta de desenvolvimentos de um plano de contenção e emergência para evitar a contaminação.

Leia mais: Profissionais de pesquisa nacional sobre Covid-19 são detidos e hostilizados
Campanha solidária já doou 27 mil produtos e dois ventiladores pulmonares
 Live da AMATRA1 sobre o filme ‘A Vida Invisível’ será nesta sexta-feira (22)

Esses aspectos contribuem para o adoecimento mental dos trabalhadores da saúde, o que já é um “fato constatado” entre os que atuam nos hospitais municipais, conta Juliane. “A angústia e a incerteza provocadas pelo momento, a falta de pessoal nos postos de trabalho, a sobrecarga de jornada, falta de EPIs e testes e os atrasos de salários fazem com que o trabalhador fique doente. Por isso, pedimos ao Judiciário para responsabilizar o município pelo atendimento psicossocial”, diz.

A decisão liminar da juíza Danusa Berta, em exercício na 65ª VT/RJ, determinou que o Hospital Souza Aguiar adotasse medidas de proteção à saúde e segurança de trabalhadores no enfrentamento à Covid-19. Na decisão, ela destacou a necessidade de ser estabelecido e mantido um programa de atendimento voltado à preservação de saúde mental.

A magistrada afirma que os trabalhadores estão exercendo suas funções sob pressão e sem estarem devidamente equipados, o que gera ainda mais medo. “Médicos, enfermeiros, técnicos, cozinheiros, motoristas… Todos os profissionais da unidade precisam do suporte psicossocial, principalmente porque ir trabalhar sem proteção em uma situação como a que estamos vivendo é uma espécie de condenação”, ressalta.

Exercendo a titularidade na 69ª VT/RJ, o juiz Michael Pinheiro determinou, durante o plantão judiciário, que o Hospital Lourenço Jorge garanta aos funcionários as medidas de segurança necessárias durante a pandemia do novo coronavírus. Apesar de não tratar especificamente do aspecto psicológico, a decisão impõe que o centro médico adote ações de contenção do vírus que contribuem para a preservação da saúde, como a complementação da mão de obra para o quantitativo necessário de pessoal e o fornecimento de EPIs, EPCs (equipamentos de proteção coletiva) e testes da doença durante a pandemia.

“Pensei justamente na saúde dos trabalhadores. A situação estava realmente caótica, já tinham notícias de mortes na unidade e de muita exposição de todos ao risco de contaminação. Deve-se oferecer proteção”, afirma Michael.

O magistrado alerta para o aumento de horas de trabalho, fato que, também segundo as magistradas e a procuradora, pode ser uma das causas de adoecimento dos profissionais. “Deve-se fornecer pessoal e ampliar o número de trabalhadores, porque não adianta estender a jornada. Será que na 23ª hora trabalhada ele vai conseguir dar o atendimento adequado? O trabalhador passa por um cansaço e desgaste muito grandes. O aumento da jornada faz aumentar a chance de risco de acidentes de trabalho.”

De acordo com Danusa, a tutela do Poder Judiciário nos casos dos hospitais “foi fundamental, porque ele existe justamente para isso: certificar os direitos e amparar os trabalhadores. É essencial que haja essa resposta assertiva da Justiça Trabalhista”.

Prefeitura implementa o projeto ‘Saúde na Escuta”

A prefeitura do Rio de Janeiro, por meio da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), iniciou o projeto “Saúde na Escuta”, para oferecer suporte psicológico aos profissionais de saúde que estão na linha de frente do combate ao coronavírus. 

O atendimento com profissionais das equipes multidisciplinares da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do município será feito por telefone ou por videoconferência, todos os dias, 12 horas por dia, por três meses. Os interessados devem se cadastrar on-line.

Daniela Muller destaca que, além de fornecer o atendimento psicossocial aos trabalhadores afetados, a prefeitura deve estar atenta também aos cuidados com os psicólogos e psiquiatras que participarem do projeto.

“Eles também são profissionais da saúde e precisam receber todo apoio para poderem auxiliar os demais pacientes. Nesse sentido, não podem ser exigidos jornadas extenuantes e condições inseguras de trabalho, por exemplo.”

*Texto: Carol Borges
**Foto: Prefeitura do Rio
< VOLTAR