17 de agosto de 2020 . 13:17

Live da AMATRA1 debate afeto e poder nas relações de trabalho doméstico

A realidade das empregadas domésticas no Brasil foi abordada na live cultural da AMATRA1, na sexta-feira (14). A rapper e historiadora Preta-Rara e o professor Marco Antonio Gonçalves, do Departamento de Antropologia Cultural do IFCS-UFRJ, conversaram sobre o documentário “Doméstica”, com mediação do juiz do Trabalho Roberto Fragale. O encontro foi transmitido no canal da associação no YouTube e no Facebook.

“O filme do Gabriel Mascaro, diferentemente de outros de ficção, é um documentário com uma estratégia muito peculiar, que é a de entregar câmeras para sete adolescentes”, disse Fragale sobre a produção lançada em 2012. A narrativa é construída a partir de imagens registradas por jovens, sobre o dia a dia das trabalhadoras de suas casas.

Preta-Rara, que trabalhou como empregada doméstica por sete anos, se identificou com muitas cenas do filme. “Eu vivenciei isso. Fui a trabalhadora doméstica e a filha da trabalhadora doméstica também.” Segundo a historiadora, as questões envolvendo afeto e poder presentes nas relações de trabalho doméstico são atreladas ao “ranço colonial” existente no Brasil.

“Afeto e poder se confundem através de algumas frases que eu ouvia muito, como ‘você é como se fosse da família’. Essa frase anula todos os direitos trabalhistas presentes e conquistados. Por muito tempo eu me via como parte da família, sendo essa a parte do afeto, mas que família é essa que eu não posso usar o banheiro? Que família é essa que eu cozinho para todo mundo da casa, mas não posso me alimentar da comida que fiz?”, questionou.

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Já a relação de poder é evidenciada no sentimento de posse sobre as empregadas domésticas, destacou Preta-Rara. “Famílias brasileiras acreditam seriamente que a trabalhadora doméstica é como uma propriedade privada. O Brasil é um país em que ainda existem pessoas que moram no local de serviço, o que acho um absurdo. Isso é abdicar da própria família em prol de outra.”

O professor da UFRJ afirmou haver violência implícita nesse tipo de afeto. Para Marcos, existe ambiguidade em determinadas situações, e as demonstrações de afeto podem ser facilmente confundidas às de dominação e abuso.

“Os estudos sobre a sociedade brasileira mostram essa falsa concepção de cordialidade e afetuosidade, mas em que reside uma lógica de violência, sobretudo em relações assimétricas, de trabalho ou de exploração. A doméstica está no lugar de intimidade daquele mundo e de testemunha de uma família. Uma coisa é estar fora de um universo de afeto, como em uma indústria. Mas, nesse caso, é uma espécie de duplo vínculo”, ressaltou Marco Antônio.

Entre os casos comentados do filme, Fragale citou a história da empregada doméstica Lucimar, que brincava com a patroa na infância e, anos depois, foi levada do interior para trabalhar na casa da família, no Rio de Janeiro. 

“A patroa dá um depoimento dizendo que foi muito difícil fazer a transição, mas que rapidamente conseguiram se encontrar. Depois, a Lucimar aparece de uniforme servindo a comida para as crianças, que reclamavam da comida. Tem-se a relação de um afeto que se perdeu e que é transformado naquele cotidiano”, disse o magistrado.

No debate, os participantes também comentaram, entre outros assuntos, o caso da empregada doméstica que pegou Covid-19 dos patrões, sendo a primeira vítima confirmada da doença no Rio de Janeiro, e sobre o poder transformador da música, tendo como exemplo a própria Preta-Rara, que atualmente se dedica à arte. Ao fim da live, ela apresentou um trecho do rap “Graças ao Arauto”.

Veja a live na íntegra:
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