21 de novembro de 2019 . 14:32

Racismo e sexismo criam divisão no mundo do trabalho, diz Raquel Barreto

As implicações do racismo e do sexismo nas relações de trabalho foram debatidas no seminário “Cidadania e Direitos Humanos”, promovido pela AMATRA1 e pela Escola Judicial do TRT-1, nesta terça-feira (19). Segundo a diretora da associação Daniela Muller, mediadora do debate, o objetivo foi “pensar as relações de trabalho por esse aspecto, que acaba sendo pouco debatido e trazido para o dia a dia, embora seja profundamente presente, especialmente no Direito do Trabalho”.

A professora Raquel Barreto, doutoranda em História na Universidade Federal Fluminense (UFF), apresentou o seminário “Raça, Gênero e Trabalho”. Para Raquel, “uma consequência do racismo e do sexismo no Brasil é a divisão racial e de gênero no mundo do trabalho”.

“Essa divisão responde a um contínuo nas ocupações por conta do passado escravista, especialmente no que diz respeito às mulheres negras, com a permanência no trabalho doméstico”, disse. A historiadora também apontou que a discriminação gera desigualdade no acesso ao mercado de trabalho, diferenças salariais e taxas de desemprego diferentes entre negros e brancos.

Magistrados e servidores participaram do seminário 'Cidadania e Direitos Humanos', no TRT-1

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O professor Vantuil Pereira, diretor do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos (NEPP-DH), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), falou sobre “Raça, colonialidade e trabalho”. Em sua palestra, Vantuil abordou o conceito de racismo sob a perspectiva decolonial. O professor explicou se tratar de um processo de longa duração, criado a partir da percepção de diferenciação entre pessoas e que gera o “discurso de superioridade, de domínio colonial”.

“Esse discurso vai hierarquizando os homens e colocando alguns deles como passíveis de serem escravizados. O discurso era de que alguns eram aptos ao trabalho, a serem escravizados”, afirmou.

Segundo Vantuil, o período escravocrata no Brasil reflete as desigualdades raciais que ainda são perceptíveis nos dias atuais. “A mentalidade senhorial é um processo cultural, de relação de classes que perdura por muito tempo. A visão de que negros não devem estar na universidade ou no tribunal é o passado explicando o presente”, disse.

Epistemicídio e interseccionalidade

Baseando-se no trabalho elaborado por feministas negras como Lélia Gonzalez e Ângela Davis, Raquel Barreto explicou a teoria da interseccionalidade como o estudo que interliga conceitos como os de raça, classe e gênero.

Sobre a produção de conhecimento, ela também abordou a questão do epistemicídio, que é a invisibilidade do que é criado por outros povos além dos brancos. “Isso interfere na produção de conhecimento e nas políticas de memória em relação à produção autoral”, afirmou.

Racismo é um problema institucional

Assim como Raquel, que afirma que o racismo diz respeito a toda sociedade e não apenas às relações individuais, Vantuil acredita que a mazela é “um fator estruturante das injustiças e desigualdades sociais no Brasil”. 

“Embora exista racismo individualizado, as instituições são racistas. O racismo é uma ideologia que se realiza nas relações entre pessoas e grupos, no desenho do desenvolvimento das políticas públicas, nas estruturas de governo e na forma de organização dos estados. Ou seja, nasce de um fenômeno de abrangência ampla e complexa que penetra e participa da cultura, da política e da ética”, afirmou.

Como solução para o cenário de discriminação, ele indicou ser preciso mudar as pessoas para, então, mudar as instituições. “A primeira coisa a se pensar é a percepção que temos da afirmação da dignidade humana: perguntar em que medida posso estar desumanizando alguém. Como, no campo do trabalho, produzo um espaço de afirmação de direito e, sobretudo, de direito humano?”, questionou.

De acordo com Raquel Barreto, “há a necessidade de o estado, a partir de políticas específicas, tentar reparar essas desigualdades”. < VOLTAR