10 de maio de 2021 . 16:25

TRT-1 condena banco em R$ 15 milhões por adoecimento de trabalhadores

Diante da comprovação do adoecimento massivo de trabalhadores e da prática de terceirização ilícita, a 1ª Turma do TRT-1 condenou o Banco Bradesco S.A a pagar indenização de R$ 15 milhões, por dano moral coletivo. O valor será destinado ao Fundo de Assistência ao Trabalhador. Por unanimidade, os magistrados seguiram o voto do relator, desembargador Mário Sérgio Medeiros Pinheiro. Ele negou provimento ao recurso do banco, mantendo as condenações da juíza Nélie Oliveira Perbeils, na 30ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro.

“Nosso voto é um complemento da sentença da juíza Nélie Perbeils. Procuramos interpretar a decisão do Supremo Tribunal Federal no tocante à liberação da terceirização para todo e qualquer processo produtivo. Mas consta, nessa decisão, que a terceirização não pode servir para precarização de direitos. E isso foi constatado pela fiscalização do Ministério Público do Trabalho, que encontrou problemas de doença, agravamento de condições psicológicas, entre outras irregularidades”, disse Pinheiro à AMATRA1.

Segundo o magistrado, o entendimento do STF “libera a terceirização, mas não qualquer terceirização”, sendo vedadas práticas que tornem as condições de trabalho precárias e prejudiquem os empregados. “Como bem afirmou a juíza Nélie Perbeils, isso não pode acontecer. Então, mantivemos a decisão da primeira instância.” 

A Ação Civil Pública foi ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), que se baseou no relatório da Fiscalização do Trabalho sobre inspeções em todas as centrais de teleatendimento que serviam ao Bradesco. De 2013 a 2014, as centrais, que funcionavam nas dependências da empresa da Contax S.A, foram inspecionadas por auditores-fiscais do trabalho da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT/MTE), com o apoio do MPT e da Polícia Federal. 

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Os integrantes da operação entrevistaram trabalhadores de diferentes níveis hierárquicos; observaram a rotina e a forma de organização do trabalho; fotografaram os ambientes; e recolheram documentos para auditoria. Com a ação, foram constatadas irregularidades, incluindo o adoecimento massivo de contratados pela Contax no Rio de Janeiro (RJ), em Recife (PE) e em São Paulo (SP), e a auditoria-fiscal lavrou autos de infração e encaminhou Relatório Fiscal ao MPT.

De acordo com o MPT, o Bradesco praticou terceirização ilícita, já que, além de terceirizar sua atividade-fim, tinha total controle sobre as atividades dos trabalhadores intermediados pela Contax. Além disso, teria sido atestada a violação de diferentes normas regulamentadoras que garantem a saúde e a segurança no ambiente de trabalho. Os relatos mostram a prática de assédio moral, abusivo rigor de regras e punições excessivas e desmedidas. Até mesmo o falecimento de uma operadora de teleatendimento na sede da Contax em Recife, em 2011, foi apurado na investigação.

O relatório também indicou aplicação de demissões por justa causa de forma arbitrária; coação para pedido de demissão; corte de remuneração como punição; controle do uso do banheiro; omissão de responsabilidade relativa à prevenção e redução dos riscos do adoecimento, que eram frequentes e sem o reconhecimento do risco da atividade; recusa no recebimento de atestados médicos, sendo exigido o trabalho de pessoas doentes; irregularidades na organização e nas condições do meio ambiente de trabalho; descumprimento de normas relativas à jornada, aos descansos e ao pagamento de salário; entre outros.

O Bradesco afirmou não ter qualquer tipo de ingerência sobre a prestação dos serviços dos trabalhadores da Contax, sendo a empresa a responsável pela operacionalização, gestão, criação, manutenção e gerenciamento dos recursos humanos e materiais necessários à execução da prestação dos serviços que oferece ao mercado. O banco também disse não ter por atividade-fim a prestação de serviços de teleatendimento e sustentou que, com a publicação da Lei nº 13.467/17, há a possibilidade de contratação de empresa prestadora de serviços relativos à atividade principal da contratante.

Na primeira instância, a juíza Nélie reconheceu a terceirização ilegal, ressaltando não haver possibilidade de aplicação da Lei 13.467/17, já que “os pedidos se referem à situação pretérita às decisões proferidas pelo STF e ao aparato legal que veio à luz a partir de março de 2017”. A magistrada, então, condenou o Bradesco a se abster de contratar trabalhadores para serviço de teleatendimento e atividades operacionais correlatas por interposta empresa; de tratar desigualmente, assediar ou humilhar trabalhadores; de usar métodos de gestão mediante “ranking” de desempenho; e, entre outras obrigações de não fazer, de estabelecer metas inatingíveis. Foram fixados multa de R$ 100 mil mensais por obrigação descumprida e pagamento de indenização de R$ 15 milhões, pelo dano moral coletivo. No entanto, o banco interpôs recurso ordinário.

No segundo grau, sob análise do desembargador Mário Sérgio Pinheiro, o provimento ao recurso do réu foi negado. Em seu voto, o magistrado destacou ter ficado “robustamente comprovado o estabelecimento de uma atípica - e ilegal - relação bilateral entre a recorrente e os empregados da contratada - ou, como já observado, uma relação linear -, o que desnatura por completo a ‘terceirização’ na forma definida pelo STF”. E ressaltou o “inegável desrespeito à legislação trabalhista, violação à segurança e à saúde dos trabalhadores, além de assédio e práticas humilhantes, condutas comissivas que colidem com o disposto no texto consolidado, ferindo a dignidade da pessoa humana”.

Além dos valores das condenações, também foi mantida, pelo segundo grau, a abrangência nacional da decisão, já que foi comprovado que as práticas de organização do trabalho são padronizadas para todas as localidades, e não apenas para o Rio de Janeiro. “Conquanto a ré tenha sede no Município do Rio de Janeiro, atua em âmbito nacional. A base territorial da ré, portanto, que atua em âmbito nacional, é a extensão do território brasileiro, e não o Município do Rio de Janeiro. Logo, correta a referida decisão no sentido de que a condenação seja estendida a todos os estabelecimentos do território nacional”, afirmou Pinheiro, no voto.

Nº do processo: 0101404-93.2016.5.01.0030.

*Foto: Pexels < VOLTAR