15 de abril de 2021 . 14:02

TRT-1 condena empresa Prosegur por discriminação de gênero de trabalhador

A 7ª Turma do TRT-1 condenou a empresa Prosegur Brasil S/A Transportadora de Valores e Segurança a pagar R$ 60 mil a um trabalhador que foi vítima de discriminação de gênero e exposto a situações vexatórias após passar por transição e adotar a identidade masculina. Por unanimidade, o colegiado seguiu o voto da relatora, desembargadora Carina Bicalho, negando provimento ao recurso da ré e dando parcial provimento do autor. Para a magistrada, as empresas, como agentes sociais, têm o dever de atuar ativamente na construção de uma sociedade mais diversa e fraterna.

“Acolher as demandas de trabalhadores com marcas de opressões sociais diversas, dentre as quais as decorrentes da diversidade de gênero, oferecer respostas inclusivas e trabalhar a cultura interna empresarial para acolher tais demandas integram a responsabilidade da empresa para manter um meio ambiente de trabalho saudável. Descumprir essa obrigação e, ao assim proceder, praticar ato discriminatório que vítima seu empregado gera, portanto, dever de indenizar”, afirmou Carina Bicalho ao site da AMATRA1.

O processo foi instaurado em 2019 contra a Transvip, empresa da qual o trabalhador fazia parte quando foi discriminado e que foi incorporada pela Prosegur em 2020. Na ação, o ex-empregado relatou ter começado a sofrer as discriminações quando, em 2018, iniciou sua transição de gênero com tratamento hormonal, para garantir a visibilidade da identidade masculina. No decorrer da transição, já com as novas características, ele solicitou aos supervisores e demais empregados que o tratassem pelo nome social masculino. O pedido não foi acolhido.

O trabalhador passou a ser excluído no ambiente de trabalho, foi colocado em situações constrangedoras e proibido de usar o banheiro masculino, o que desencadeou nele quadros de ansiedade e depressão. Os supervisores se reuniram para discutir como o caso seria tratado e, poucas semanas depois, ele foi demitido. No Termo de Rescisão de Contrato de Trabalho (TRCT) e na carta de referência, constava o nome de registro do reclamante, e não o nome social que ele escolhera.

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Os relatos foram confirmados por um colega de trabalho do ex-empregado. A testemunha declarou que um dos supervisores se recusava a tratá-lo pelo nome social, e que colegas do mesmo nível hierárquico zombavam dele, fazendo declarações como “isso é palhaçada, não existe”. Não houve, por parte da direção da empresa, nenhum gesto no sentido de conscientizar e incentivar o respeito ao colega e a obediência à lei, segundo a testemunha.

A companhia negou, na contestação, que o trabalhador tenha sofrido qualquer ato de discriminação e que sempre foi usado o nome social, desde a solicitação. Também argumentou que este não foi inserido nos documentos da demissão porque o nome de registro ainda constava na documentação do trabalhador. E afirmou, ainda, que a dispensa foi motivada apenas por redução no quadro de trabalhadores.

O juízo de primeiro grau condenou a empresa a indenizar o trabalhador em R$ 20 mil, por danos morais, e em R$ 4.540,75, por danos materiais (exato valor constante do líquido rescisório). Segundo o juiz, a recusa em usar o nome social do reclamante nos documentos emitidos, como contracheque, TRCT e carta de referência já comprova a resistência enfrentada pelo empregado.

A companhia e o trabalhador recorreram da decisão. O ex-empregado solicitou a majoração da indenização, destacando que a sentença fixou valor de indenização por danos materiais, não observando o pedido de condenação com base na Lei nº 9029/95. No Art. 4º, a lei garante ao empregado dispensado por ato discriminatório as opções de ser reintegrado com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, ou a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento.

Ao analisar o caso, a desembargadora Carina Bicalho destacou que a discriminação por identidade de gênero “é nefasta”, por retirar a expectativa de ser incluído socialmente em condições iguais aos demais.

“Dói. Mas dói na alma, no desejo e no sentido de contribuir para construir uma sociedade vocacionada à promoção do bem de todos e sem preconceitos de qualquer ordem, que assegure o bem-estar, a igualdade e a justiça como valores supremos e a resguardar os princípios da igualdade e da privacidade, como quer a Constituição que organiza esse tecido social”, afirmou, em seu voto.

A magistrada pontuou que a dispensa discriminatória merece ser censurada, já que a sociedade avança no sentido de “reconhecer, como essência da dignidade da pessoa humana e do direito à felicidade, a transição e o reconhecimento daqueles cuja autopercepção difere do que se registrou no momento de seu nascimento”. E ressaltou que os tribunais reconhecem aos indivíduos trangêneros o direito ao uso do nome social, preservando seus direitos constitucionais individuais, com base nos artigos 5º e 3º, IV, ambos da Constituição Federal.

Carina majorou o valor da indenização por danos morais para R$ 30 mil e, divergindo do juízo de primeiro grau, aplicou a Lei nº 9029/95. Para a desembargadora, como o trabalhador foi admitido em novo emprego, faz jus o pagamento de indenização equivalente ao dobro da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais. Diferentemente do solicitado pelo reclamante, o período considerado foi a partir da data do aviso prévio indenizado à data de início no novo emprego - de 20 de maio a 10 de setembro de 2019.

Somada a indenização por danos morais ao valor correspondente à aplicação da Lei nº 9029/95,  a condenação foi fixada em R$ 60 mil.

*Foto: Prosegur

**Matéria atualizada em 20 de abril de 2021 < VOLTAR