01 de julho de 2021 . 14:50

TST muda jornada de mãe por causa das necessidades especiais da filha

Uma fonoaudióloga da Universidade de São Paulo (USP), mãe de uma menina com síndrome de down e disfunção na bexiga, poderá escolher entre diferentes opções de jornada para manter os cuidados com a filha, e sem ter a remuneração reduzida. Por unanimidade, a 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) seguiu o voto do ministro Alexandre Agra Belmonte, relator do recurso de revista da trabalhadora (o último possível), deferindo a possibilidade de adaptação razoável do expediente.

“A filha da autora possui características particulares que não apenas a diferenciam da maioria das outras crianças, mas, também, representam um desafio superior tanto ao seu desenvolvimento como pessoa quanto à sua afirmação enquanto agente socialmente relevante”, pontuou o ministro, em seu voto.

Antes de recorrer à Justiça, a trabalhadora, que foi contratada para trabalhar 40 horas semanais, solicitou à universidade a mudança na jornada com a conservação da remuneração, para conseguir cuidar da filha, nascida em 2017. No entanto, a USP sugeriu que ela aderisse ao Programa de Incentivo à Redução de Jornada, que flexibiliza os expedientes com consequente redução dos vencimentos.

Em 2018, a fonoaudióloga ajuizou uma ação pedindo alteração de sua jornada para turno único e ininterrupto de seis horas por dia, sem diminuição do salário. A trabalhadora argumentou que, entre as necessidades especiais, a menina precisa passar por cateterismo vesical (sonda interna) para esvaziar a bexiga com regularidade. Além da síndrome de down, a criança tem diagnóstico de bexiga neurogênica, que inclui sintomas como incontinência por transbordamento, frequência, urgência e retenção, e tem elevado risco de complicações graves. 

Leia mais: TRT-1 suspende recurso e mantém benefícios a trabalhadores da Eletrobras
Carina Bicalho e Bárbara Ferrito falam de violência no trabalho, na Rádio Nacional
Magistrados publicam carta aberta à Justiça do Trabalho e ao STF, no Conjur

No primeiro grau do TRT-15 (Campinas/SP), a redução da carga horária e a manutenção salarial foi deferida, mas a universidade recorreu. Na segunda instância, a decisão foi reformada, já que, segundo o Tribunal, atender à solicitação da trabalhadora teria como consequência o reajuste indevido, não sendo conveniente à administração pública.

Ao analisar o recurso, o ministro Agra Belmonte destacou que, a partir da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), de 2009, promulgada pelo Decreto 6.949/2009, “o direito das crianças com deficiência de serem tratadas pelo Estado e pela sociedade em igualdade de condições e segundo as características peculiares que as diferenciam dos demais indivíduos passou a ser literal na Constituição brasileira”.

Agra Belmonte afirmou que a Teoria da Adaptação Razoável nas relações de trabalho pode ser definida como o uso dos meios, instrumentos, práticas e regras indispensáveis ao ajuste do ambiente, para garantir que as minorias tenham, de forma concreta, os mesmos direitos e liberdades que as maiorias, e que recebam a mesma igualdade de oportunidades e condições. “Cabe à Justiça do Trabalho conciliar os interesses divergentes entre as partes, para que a criança possa ser acompanhada de forma mais próxima por sua mãe, sem que isso proporcione um ônus para o qual o réu não esteja preparado ou não consiga suportar.”

Para o ministro, a recusa do poder público na aplicação da adaptação razoável caracteriza discriminação indireta e quebra do dever de tratamento isonômico, uma vez que, podendo atuar em favor da igualdade sem custo elevado, decide se omitir. Além disso, ele também reforça que a Lei 8.112/1990 garante aos servidores públicos federais horário diferenciado caso o empregado tenha cônjuge, filhos ou outros dependentes com deficiência, sem que o salário seja afetado ou que haja necessidade de compensação futura do trabalho.

“Se o dependente do funcionário federal possui tal prerrogativa, entendemos que o filho de uma funcionária estadual deve desfrutar de direito semelhante. Pessoas em situações análogas não podem ser tratadas de forma absolutamente desigual, sob pena de violação do multicitado princípio da igualdade substancial”, ressaltou.

Assim, o colegiado reconheceu o recurso de revista por violação dos arts. 7º, 27 e 28 da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência. E deferiu tutela antecipada determinando que a USP ofereça, para escolha da fonoaudióloga, três opções de jornada, sem alteração salarial: seis horas presenciais e duas horas de atendimento on-line por dia; sete horas diárias e 35 horas semanais, com intervalo de 15 minutos; e seis horas por dia, com intervalo de 15 minutos, e cinco horas de atendimento virtual aos sábados.

Após a filha completar 16 anos, a trabalhadora deverá, anualmente, comprovar em juízo a situação dela, para atestar a necessidade de manter as condições da adaptação razoável.

Número do processo: RR-10409-87.2018.5.15.0090

Clique aqui para ler na íntegra.

*Foto: Freepik < VOLTAR