‘Justiça do Trabalho não é vilã do Brasil’, afirma Ronaldo Callado, em artigo no Estadão

O presidente da AMATRA1, Ronaldo Callado, publicou artigo no blog do jornalista Fausto Macedo, no Estadão, nesta quarta-feira (16), no qual defende a Justiça do Trabalho. Callado rejeitou a afirmação de que os magistrados trabalhistas favoreçam um dos lados e citou dados do TRT-1 (Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região) que mostram que apenas 3,3% das ações julgadas são consideradas totalmente procedentes.

“Esse fato é considerável, se levarmos em conta que a maioria das ações diz respeito exclusivamente ao pagamento de verbas rescisórias, isto é, aquelas incontroversas e às quais o trabalhador, de todo o modo, teria direito.”

O presidente da AMATRA1 também esclareceu que as leis do trabalho não se mantêm as mesmas desde a promulgação da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), em 1943, como afirmou o ministro da Economia, Paulo Guedes.

“De lá para cá, foi alterado incontáveis vezes, com supressão e criação de novas regras, principalmente para se adequar à nova realidade constitucional, desde 1988.”

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Justiça do Trabalho não é vilã do Brasil moderno nem pária do Judiciário

A Justiça do Trabalho detém o papel fundamental de equilibrar a relação capital e trabalho no Brasil, país com imensa desigualdade social. É chamada a atuar e a restabelecer o equilíbrio no curso e ao término das relações de emprego e trabalho. Deve promover paz social e preservar a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa – fundamentos que regem o Estado Democrático de Direito, nos termos do artigo 1.º de nossa Lei Maior.

Por meio de seus juízes e tribunais, este ramo do Judiciário é o responsável por solucionar todas as demandas ditas “trabalhistas”, tanto de empregados como de empregadores – esclareça-se. Para isso, vale-se da legislação trabalhista aplicável ao caso concreto. A propósito, é fundamental relembrar que a Justiça não cria a lei, esta nasce pela atuação dos demais poderes constituídos (Legislativo e Executivo). Oriunda da administração pública federal, a Justiça do Trabalho passou a integrar o Poder Judiciário em 1946, desvinculando-se do então Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, antecessor do recém-extinto Ministério do Trabalho e Emprego.

O introito é necessário para o esclarecimento de discursos que vem se tornando recorrentes e cujo ápice foi a declaração do presidente Jair Bolsonaro sobre a possível extinção da Justiça do Trabalho. Para além do desconhecimento evidente das normas constitucionais que regem a matéria, a afirmação do presidente revelou, ademais, equívocos fáticos amplamente disseminados que precisam ser sanados.

1. O primeiro deles é o de que a Justiça do Trabalho é uma “jabuticaba brasileira”, ou seja, só existiria em nosso país. Nada mais falso. Aliás, os próceres que o propagam deveriam se informar melhor, de modo a evitar tal falácia, salvo se a intenção for proposital. Qualquer manual básico de Direito Constitucional informa em suas primeiras páginas a existência de Justiça do Trabalho em inúmeros países, da América do Sul à Oceania: Japão, Austrália, Chile, Argentina, Alemanha, Noruega são apenas alguns deles.

2. Outro erro, propagado pelo discurso de posse do ministro da Economia, Paulo Guedes, é o de que a CLT mantém, até os dias de hoje, o suposto “ideal fascista” de quando promulgada. Passando ao largo desta discussão – que, a rigor, subsistiria apenas quanto à parte relativa à estrutura dos sindicatos, mudada consideravelmente pela Constituição de 1988 – o certo é que o Decreto-Lei 5.452 é de 1943, ou seja, entrou em vigor há 75 anos. De lá para cá, foi alterado incontáveis vezes, com supressão e criação de novas regras, principalmente para se adequar à nova realidade constitucional, desde 1988.

3. Finalmente, a falsa ideia de que a Justiça do Trabalho é parcial, favorecendo apenas um dos lados. Ora, basta que se verifiquem as estatísticas! O percentual de ações julgadas totalmente procedentes é mínimo – 3,3% no TRT-1 (Rio de Janeiro) e 2% no TRT-4 (Rio Grande do Sul). Esse fato é considerável, se levarmos em conta que a maioria das ações diz respeito exclusivamente ao pagamento de verbas rescisórias, isto é, aquelas incontroversas e às quais o trabalhador, de todo o modo, teria direito. Mesmo em um quadro extremo, no qual se compararia a rejeição total dos pedidos do autor (improcedência da ação) e a eventual procedência de parte deles (ações julgadas procedentes em parte), o certo é que cabe ao juiz apenas aplicar a lei. Não é ele que as cria. Ressaltando-se que, diante da vastidão territorial do Brasil, vale em São Paulo capital a mesma lei que vale nos rincões mais longínquos do Oiapoque ao Chuí.

Por fim, é essencial informar que a extinção da Justiça do Trabalho pelo Executivo é inviável no sistema constitucional vigente – artigos 92 e 96 da Constituição de 1988; ainda que ocorresse, sua eventual incorporação/fusão a outro ramo do Judiciário não acabaria com a litigiosidade decorrente de problemas político-econômicos mais profundos e frequentemente negligenciados. A Justiça do Trabalho não pode ser relegada a vilã de um Brasil moderno nem considerada pária do Judiciário.

*Ronaldo Callado é presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 1.ª Região (AMATRA1)