No Mérito: ‘Ser juiz é profissão de dedicação e abnegação’, diz Mery Bucker

A Justiça do Trabalho vive um dos momentos mais desafiadores de seus quase 80 anos. Após a Reforma Trabalhista, os ataques ao Judiciário aumentaram, com previsão de corte de orçamento, déficit de magistrados e propostas de fusão com outros ramos da Justiça. Foi neste cenário que a nova corregedora-regional do TRT-1, desembargadora Mery Bucker Caminha, assumiu o cargo em 31 de janeiro.

Em entrevista a No Mérito em 7 de fevereiro, Mery Bucker contou como pretende lidar com os desafios e apresentou as principais linhas de ação para o biênio 2019-2020. Destacou ainda a relevância dos juízes para a valorização da Justiça do Trabalho. “É importante que todos tenham consciência do papel importante que exercem. Ser juiz é muito mais do que ter um emprego. É uma profissão de dedicação e abnegação. Que todos tenham isso como lema.”

No Mérito: Há falta de juízes hoje no TRT-1. Qual é o déficit de magistrados?

Mery Bucker: Nosso déficit é muito grande. O Tribunal tem 146 cargos de juiz substitutos, mas só temos 126 cargos ocupados, nesta data. Além disto, temos cargos de titulares vagos. Se somarmos a isto as convocações, as licenças e outros afastamentos legais, contamos com 89 juízes no 1º Grau para atuarem em 73 auxílios compartilhados, restando apenas 16 volantes para atender às necessidades de todo o Estado. Esta situação ainda vai piorar por causa dos pedidos de aposentadoria, dos processos de remoção e porque não receberemos nenhum juiz do concurso nacional.

NM: Como lidar com essa situação?

MB: Pedimos uma audiência ao presidente do TST, ministro Brito Pereira, para apresentar nossa situação crítica. Possivelmente teremos de indeferir novas licenças estudo, condicionar o deferimento de remoções para outras regiões à posse de novos juízes aqui e solicitaremos que os empossados agora possam ser removidos para nossa região. Chegaremos a um ponto em que só poderemos dar auxílio compartilhado às Varas com mais de 1.500 processos, que não são muitas. O que fazer sem juiz? Estamos aqui para atender ao público. Há certa incompreensão de alguns juízes volantes e dos que estão no sobreaviso. Não mandamos ninguém para lá e para cá porque queremos, mas porque é necessário.

NM: Quais são os planos para o sobreaviso?

MB: Na atual conjuntura, acabar com o sobreaviso é impossível. Ano passado, evitamos 4.221 adiamentos de audiências. Vamos chamar as associações para discutir. Podemos aperfeiçoar o sobreaviso, buscar dar maior transparência aos critérios para convocação. Os juízes mais chamados para atender ao sobreaviso foram convocados cinco vezes, em 2018, e foram só quatros juízes. Somos criteriosos, a Corregedoria jamais vai preterir um juiz. O que não pode acontecer é uma juíza pedir esclarecimento à corregedora, como já ocorreu, sobre o motivo de ter sido chamada para o sobreaviso. Isso não é maneira de se dirigir ao corregedor-regional. Em outras regiões, não há a liberdade e a democracia que temos aqui.

NM: Outra questão que preocupa os magistrados é a redistribuição de sentenças.

MB: Acho um absurdo esta redistribuição de processos em decorrência principalmente de remoções. O juiz já tem o objetivo de ser removido desde a hora que toma posse, porque não quer ficar aqui. É direito dele. Só não é justo que vá embora e deixe 90 sentenças pendentes. É uma falta de compromisso. Sabe que vai embora e abandona os processos. Estamos estudando o que fazer. Levarei essa questão ao Colégio de Presidentes e Corregedores dos Tribunais Regionais do Trabalho porque tem de haver uma conscientização de todas as corregedorias e presidentes de Tribunais. Não é um problema só da 1ª Região.

“A Justiça do Trabalho é uma Justiça social. Estamos diante do próximo e não de um subalterno”, diz Mery Bucker em entrevista a No Mérito

NM:  Quais são as ideias para aperfeiçoar a fase de execução, foco de sua gestão?

MB: A Corregedoria-Geral do TST sempre bate nessa tecla. Precisamos usar todas as ferramentas para executar e pagar os créditos. Esse será nosso foco. Temos conhecimento de juízes que fazem audiências de conciliação na fase de execução para tentar resolver essa questão. É uma experiência que podemos disseminar. A administração atual está reativando o setor de pesquisa patrimonial, que estava paralisado. Pretendemos trazer o “Projeto Garimpo”, experiência da 21ª Região. Por meio de convênios com bancos, com a Justiça Federal e outros órgãos, resgataram milhões. As empresas depositam para recorrer. Esses depósitos morrem, esquecidos em um processo que vai para o arquivo. Eles identificam que uma empresa tem um depósito parado de R$ 100 mil e usam o valor para liquidar os processos da empresa. Temos esperança de resgatar bilhões de reais! Será um grande salto. Nesta crise que o Rio vive, pode ter um impacto na economia do Estado.  

NM: Como funcionará o novo modelo de correição integrada?

MB:  Hoje em dia, com o PJe, se quisesse, eu não ia a nenhuma vara fazer correição. Mas temos que dar uma palavra de incentivo e reconhecimento aos servidores e conversar com os juízes. As premissas do projeto são a visão sistêmica e a gestão de autorresponsabilidade. Reunimos três ou quatro varas e cada uma conta suas experiências e compartilha soluções com as demais. É um grande laboratório. Tornamos a correição mais dinâmica, e a troca de informação influencia positivamente a gestão das varas. Queremos incentivar que os juízes titulares sentem com os substitutos e os servidores para estabelecer suas próprias metas. Ainda definiremos um cronograma. Vamos fazer oficinas este ano e implantar o projeto em 2020.

“Ser juiz é muito mais do que ter um emprego. É uma profissão de dedicação e abnegação.”

NM: O que a Corregedoria pode fazer para aumentar a sensação de segurança nos fóruns?

MB: Tivemos ameaças em Macaé (RJ), um caso sério que está sendo tratado pelo Conselho Nacional de Justiça. O presidente do Tribunal está preocupado. É uma preocupação da AMATRA1 e minha também. Não é da nossa competência, mas temos de agir. Na hora que algum juiz é ameaçado, a Corregedoria é que leva o problema à Presidência. Precisamos instalar câmeras de monitoramento nos corredores e nas salas de audiência. Não é para constranger os advogados. É questão de segurança. Temos restrições de orçamento, mas precisamos fazer isso.

NM: Este ano, houve atos pelo país em defesa da Justiça do Trabalho. A ameaça à Justiça do Trabalho é real?

MB: O presidente do TST pediu que o Coleprecor não agisse politicamente. Disse que era uma briga que assumia em nome da magistratura trabalhista. Conversou com Rodrigo Maia (presidente da Câmara dos Deputados) e se mostrou animado. Não se podem tolher as associações de realizar manifestações. Alguns tribunais acham que deveríamos assumir uma posição mais ativa e atuar junto a parlamentares. É preciso unir forças, porque a ameaça existe e é real.

NM: Que mensagem gostaria de transmitir aos juízes?

MB: Deixo minha experiência de mais de 30 anos de carreira. Que os juízes continuem a honrar o juramento que fizeram. É importante que o juiz saiba que seu poder é limitado à lei. É como um presidiário no cárcere. O limite dele é aquele metro quadrado. O nosso é a lei. Que sejam humildes sem ser subservientes. É importante que tenham consciência do papel importante que exercem. A Justiça do Trabalho é uma Justiça social. Estamos diante do próximo e não de um subalterno. Ser juiz é muito mais que ter um emprego. É uma profissão de dedicação e abnegação. Que todos tenham isso como lema. Aqui é lugar para quem quer ser juiz. Tem de ter comprometimento com o que faz.