Magistrado defende inconstitucionalidade de punição de testemunha por litigância

A Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) trouxe inovações à legislação trabalhista. Mais de seis meses após a entrada em vigor, a lei, que alterou a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), ainda gera dúvidas e controvérsias a respeito de muitos dispositivos. Um exemplo polêmico é o artigo 793-D, que prevê punição com multa à testemunha por litigância de má-fé.

O juiz do TRT-1 (Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região) Felipe Bernardes defende que o dispositivo é inconstitucional. No artigo “Punição de Testemunha por Litigância de Má-Fé: Análise do Art. 793-D da CLT na Perspectiva do Controle de Convencionalidade e de Constitucionalidade”, ele defende que o dispositivo viola acordos internacionais e fere o direito à ampla defesa e ao contraditório.

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“Da forma como está prevista na lei, a testemunha vai ser punida pelo juiz sem direito de defesa. É um ato unilateral do juiz. O juiz só pode aplicar, no nosso ordenamento jurídico, qualquer punição se houver contraditório. Ainda que pareça muito evidente a mentira, esta convicção só pode ser formada após o contraditório.”

Autor do livro “Manual do Processo do Trabalho”, Bernardes ressalta ser fundamental oferecer o direito à ampla defesa à testemunha e lembra que juízes também estão sujeitos a equívocos na avaliação das provas.

“Que a pessoa possa provar que não mentiu, porque muitas vezes o erro, a mentira, pode estar na petição inicial, no depoimento do reclamante ou da reclamada.”

Testemunha pode sofrer dupla punição com artigo 793-D

Para o magistrado, o artigo 793-D fere um princípio geral do Direito, o non bis in idem (uma pessoa não pode ser punida duplamente pelo mesmo fato), além de violar o Pacto de San José da Costa Rica (1969). O Brasil ratificou o pacto em 1992.

O crime de falso testemunho prevê pena de reclusão e multa, de acordo com o artigo 342, do Código Penal. Já o 793-D, introduzido na CLT pela Lei nº 13.467/2017, penaliza com multa a testemunha que “intencionalmente alterar a verdade dos fatos ou omitir fatos essenciais ao julgamento da causa”.

“Há uma pena pecuniária criminal e passa a haver agora a previsão de uma outra pena, a multa por litigância de má-fé, no processo do trabalho. Esta dupla punição, ao meu ver, viola o princípio do Direito segundo o qual ninguém pode ser punido duplamente pelo mesmo fato. É uma linha sustentável de raciocínio a partir do Pacto de San José da Costa Rica, um tratado internacional que tem um status acima da lei ordinária.”

Instrução do TST pode criar espiral infinita de processos

Na tentativa de esclarecer dúvidas e polêmicas sobre aspectos da Reforma Trabalhista, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) aprovou, em junho, a Instrução Normativa 41/2018. De acordo com Bernardes, a tentativa do tribunal de “salvar” o artigo inconstitucional da lei é criticável.

Segundo a Instrução Normativa 41/2018, a aplicação da multa à testemunha por litigância de má-fé deverá ser precedida da instauração de um incidente, mediante o qual o juiz indicará os pontos controversos do depoimento, assegurando o contraditório e a defesa, além de possibilitar a retratação.

Bernardes argumenta, porém, que o TST não explicou com seria este contraditório e criou um procedimento não previsto na lei, o que “certamente vai criar muita polêmica e discussão na prática até que se chegue a um entendimento minimamente pacificado e uniformizado.”

“Dependendo de como se aplique este incidente, isto pode resultar no fato de que a testemunha vai se tornar parte interessada no processo. E aí, por exemplo, teria que fazer uma outra audiência para que a testemunha pudesse ouvir uma outra testemunha. E aí isto poderia levar até uma espiral infinita”, conclui o magistrado.