16 de maio de 2019 . 13:24

No Mérito: Estética e ética, a arte de uma juíza

A juíza do TRT-1 (Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região) Edna Kauss sempre se interessou pelas artes visuais. Mas foi a partir da aposentadoria, em 2000, que ela reativou a paixão artística e se profissionalizou. Na nova carreira, a magistrada já apresentou suas obras em exposições no Brasil, nos Estados Unidos, na França e em Portugal.

“Sempre tive aptidão para as artes. Atuo nesta área desde 1987, mas tinha que compartilhar com a vida profissional como advogada e, depois, magistrada. Ficava muito difícil. Recomecei após a aposentadoria. Fui para a Escola de Artes Visuais do Parque Lage cursar história da arte e oficinas de esculturas. Não é uma atividade para distrair ou passar o tempo. Me envolvi com o estudo da arte e a execução de obras, sempre em três dimensões. Hoje, trabalho com arte”, disse.

A criação artística de Edna Kauss sempre esteve ligada à tridimensionalidade. Desde 2007, ela se dedica a trabalhos com luz. A artista afirma não ter habilidades para desenhar e pintar. Segundo Edna, seu trabalho é um exercício mental.

“Não posso expressar minha visão artística pelo que eu não sei. Elaboro minhas obras mentalmente. Trabalho muito com maquetes. Conheço o espaço onde vou expor, meço tudo e reproduzo em escala menor. Depois conto com um profissional que me auxilia na montagem da obra. Minhas obras são majoritariamente geométricas, construtivistas e minimalistas.”

A juíza começou apresentando suas obras em exposições coletivas, entre 2004 e 2007. Participou de mostras na Medialia Gallery (Nova York), Universidade das Artes da Filadélfia e Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Em 2008, promoveu sua primeira exposição individual, “De Dentro para Fora”, no Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF), no Rio de Janeiro.

Obra "Percurso Luminoso" foi exposta no Centro Cultural da Justiça Federal, no Rio de Janeiro. Foto: Tania Bonin

“Ocupei a grande galeria do Centro Cultural, um salão de 528m³. Esta ocupação, que usou todas as dimensões da galeria, do piso às paredes e ao teto, consumiu cerca de 80 metros lineares de lâmpadas eletroluminescentes de 2,5 milímetros de diâmetro. Até hoje uso essas lâmpadas, também na forma de fitas, para compor meus trabalhos”, afirmou.

Edna Kauss já promoveu quatro exposições individuais e participou de cerca de 20 mostras coletivas, entre elas a “Panor’Almas”, há três anos, na Galerie La Vitrine A.M., em Paris. “Além da ocupação do espaço expositivo, num diálogo com a arquitetura local, tenho mais recentemente executado quadros em que as lâmpadas são, digamos, costuradas num suporte firme, como o MDF, formando desenhos. É talvez a maneira que encontrei de pintar uma tela.” Edna também se expressa artisticamente como designer de joias. Ainda nos anos 80, após estudar design e execução de joias no Atelier Marcio Mattar, fez exposições coletivas.

Obras refletem temas sociais

Além de se preocupar com a estética, Edna Kauss também faz questão de jogar luz sobre temas sociais. Na exposição “Luz na Cela”, em 2015, a artista tratou da degradante privação de liberdade. Na mostra “Indícios”, que ficou exposta de julho a agosto de 2018 no Paço Imperial, ela abordou um dos temas mais latentes na sociedade brasileira atual, a restrição de direitos.

“Toda esta turbulência que acontece no Brasil me influenciou. Principalmente a questão da desigualdade. Às pessoas são negados muitos direitos. Aos afrodescendentes, à população de rua, aos cidadãos que não têm trabalho, às mulheres, às pessoas por sua orientação sexual. A redução das leis trabalhistas é uma das causas dessas desigualdades”, ressaltou.

No trabalho, a magistrada usou lâmpadas verdes e vermelhas de 2,5 milímetros de diâmetro para evidenciar espaços e possibilidades inacessíveis à grande parcela dos cidadãos brasileiros. As luzes formavam uma figura geométrica na qual as lâmpadas vermelhas serviam para interditar o acesso a um ambiente verde, representando o espaço de direitos negados.

“É a interdição do indivíduo e dos núcleos comunitários ao gozo de seus direitos. São todas estas impossibilidades, arbitrariedades e absurdos que acontecem no Brasil atualmente. Porque ao Estado policial não basta privar a pessoa de sua liberdade, precisa fazer mais maldades.”

Para Edna Kauss, uma das funções da arte é tratar de questões atuais importantes para a sociedade. “A arte se relaciona com o mundo, com a vida. Trata de questões estéticas e éticas. E o artista tem um compromisso sério com o seu tempo. Não há arte ingênua. Implica escolha, determinação, ousadia. Para o artista, expor sua obra é também expor-se, violar padrões, vencer resistências, romper limites – seus e do observador.” < VOLTAR