23 de novembro de 2021 . 14:59

‘Judiciário precisa se engajar contra o racismo’, diz Bárbara Ferrito em live

O racismo intrínseco às estruturas sociais, os privilégios das pessoas brancas e a necessária mobilização para reduzir as desigualdades raciais foram debatidos no webinário “A branquitude e o papel da Magistratura na construção antirracista da sociedade”, promovido pela Anamatra, na segunda-feira (22), em homenagem ao Dia da Consciência Negra.

A diretora de Cidadania e Direitos Humanos da AMATRA1 Bárbara Ferrito e a juíza do TRT-4 (RS) Gabriela Lacerda, integrantes da Comissão Anamatra Mulheres, foram as palestrantes do encontro, que também teve as juízas Manuela Hermes e Viviane Martins, do TRT-5 (BA), como debatedoras. A vice-presidente da Anamatra, Luciana Conforti, fez a mediação. O evento também foi marcado pela divulgação do projeto Enegrecendo a Toga, que pretende estimular o ingresso de negras e negros de baixa renda nos concursos da Magistratura trabalhista.

Em sua apresentação, Bárbara Ferrito reforçou a importância de falar sobre raça e racismo, e de a sociedade entender que não há diferença biológica entre as raças mas, socialmente, a raça tem um forte significado. “Ser um corpo negro ou branco tem uma colocação na hierarquia social que importa na concretização da sua humanidade”, pontuou.

Diretora da AMATRA1 Bárbara Ferrito foi uma das palestrantes do webinário da Anamatra

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A diretora da AMATRA1 também tratou do conceito de racismo estrutural, presente na forma com que a sociedade se organiza e funciona, e sobre a presença das instituições de poder no combate ao racismo. Para Bárbara, é impossível, tendo-se como premissa a Constituição Federal de 1988, pensar em outra possibilidade que não seja a de um Judiciário antirracista. 

“O Judiciário precisa se engajar ativamente na luta contra o racismo, o patriarcado e outras formas de opressão. Acreditar que existiria outro caminho é entender que essas desigualdades são inatas ou insuperáveis, o que, além de mentiroso, é extremamente cruel com as pessoas afetadas. Não há democracia constituída sobre relações marcadas pelo racismo e pelo patriarcado. O racismo leva à exclusão das pessoas e do acesso ao Direito e às arenas de discussão e poder, fazendo com que não tenham voz. Não ser ouvido e não poder falar inviabiliza a democracia”, disse Bárbara Ferrito.

A vice-presidente da Anamatra, Luciana Conforti, afirmou ser fundamental refletir sobre o perfil da Magistratura no Brasil. Luciana citou um relatório publicado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2018, que descreveu o perfil do juiz brasileiro como um homem branco, casado, católico e pai. A juíza apresentou, ainda, dados sobre a participação feminina no Judiciário e, especificamente, na Justiça do Trabalho: apesar de as mulheres representarem 50,5% do quadro, 81% das magistradas se autodeclaram brancas.

Dados sobre perfil dos magistrados foram mencionados pela vice-presidente, Luciana Conforti

“Assim, é necessário o reposicionamento do papel da Magistratura para a construção antirracista da sociedade, afastando mitos que permeiam o imaginário social e que norteiam muitas práticas, como a inexistência do racismo no Brasil, e colocando no centro do debate a inexistência do racismo reverso.”

Branquitude e atuação de pessoas brancas 

A partir da análise de teóricos, como o sociólogo norte-americano Du Bois, precursor dos estudos sobre as pessoas brancas no racismo, e a psicóloga e ativista brasileira Cida Bento, a juíza do TRT-4 (RS) Gabriela Lacerda abordou o conceito de branquitude, que descreveu como “poder de nominar o outro”. “As pessoas brancas, por ocuparem espaços de poder institucional, têm o poder de nominar”, completou.

Gabriela destacou como principal característica do “pacto narcísico da branquitude”, termo cunhado por Cida Bento, o silêncio em torno das discussões raciais. “Por isso, esse debate é importante. Falar sobre esse tema e trazer as pessoas brancas para a discussão é essencial para desconstruirmos a estrutura social, porque os estudos críticos da branquitude propõem que a gente se racialize enquanto sujeitos brancos e perceba que o racismo é um processo relacional, que não é algo que apenas acontece com pessoas negras, pois do outro lado há pessoas brancas.”

Juíza do TRT-4 (RS) Gabriela Lacerda falou sobre branquitude no webinário

Na Magistratura, o pacto narcísico também se manifesta pelo silêncio, afirmou a juíza, já que, por décadas, o aspecto da raça foi ignorado nas pesquisas internas. “Só a partir de 2013, quando o ministro Joaquim Barbosa estava à frente do CNJ, as pesquisas passaram a perguntar qual era o pertencimento racial dos magistrados. Assim, vimos a imensa disparidade, que é algo constrangedor. Todos nós deveríamos acordar todos os dias e pensar - hoje temos um problema: a Magistratura segue sendo branca e a maioria da população é negra -”, afirmou. 

A vice-presidente da Amatra5 (BA), Manuela Hermes, convidou as pessoas brancas a fazerem uma reflexão crítica sobre o racismo para integrar o movimento antirracista. A magistrada pontuou ser preciso a participação de todos, pois “essa luta não se faz só com pessoas negras”. “Conclamo que as pessoas brancas pratiquem esse exercício, que pensem a partir do privilégio e comecem a adotar uma conduta efetiva em suas interações sociais. Incomode-se com o racismo. É a partir do incômodo e de ações concretas que vamos de fato construir a sociedade mais igualitária que desejamos”, disse.

Vice-presidente da Amatra 5 (BA) propôs reflexão sobre racismo e privilégios

Para Viviane Martins, integrante da Comissão de Direitos Humanos da Anamatra, a geração atual é responsável pelas possibilidades de mudanças futuras. “Peço que a gente mantenha essa reflexão, reencontre nossa história e nossa identidade, produza novos sentidos e novos significados para os lugares das pessoas brancas e negras, com menos culpa e vergonha e mais reconhecimento, redistribuição, nomeação dos racismos, ações e reparações. É disso que vai ser feita a construção da sociedade antirracista”, concluiu.

Juíza Viviane Martins afirmou que as gerações são responsáveis pelas mudanças futuras

Projeto ‘Enegrecendo a Toga’

O webinário também divulgou o projeto “Enegrecendo a Toga”, idealizado por Bárbara Ferrito e outros três juízes, e promovido pela Anamatra. Serão ministradas aulas gratuitas a mulheres, preferencialmente, e também a homens que sonham em ser juízas e juízes do Trabalho.

“Reconhecemos que temos que avançar em um projeto para uma Magistratura menos branca. Trata-se de uma medida alternativa para a inclusão de mais afro-brasileiras e afro-brasileiros na Magistratura nacional”, afirmou Luciana Conforti.

Bárbara Ferrito contou que a ideia da iniciativa surgiu a partir da constatação do grupo sobre a passividade diante dos números de desigualdade racial e da insuficiência das cotas para o concurso. “Percebemos que precisaríamos do apoio institucional da Anamatra e temos conseguido um ótimo acolhimento. O projeto tem um caráter prático: vamos fazer algo, colocar a mão na massa e comprar a briga de construir o Judiciário inclusivo que queremos. Ele vai dar a possibilidade não só para a gente, mas para todos que tiverem interesse em contribuir efetivamente para uma Magistratura inclusiva e antirracista”, explicou.

Veja o webinário na íntegra:
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