16 de maio de 2019 . 13:25

No Mérito: Uma juíza ‘incômoda’, Anna Acker completa 90 anos

Aos 90 anos, Anna Acker não passa despercebida. Sua trajetória e personalidade encarnam o espírito da Justiça do Trabalho. Por não se conformar em fazer uma Justiça “formal”, recebeu da OAB o apelido de uma juíza “incômoda”. 

A Justiça do Trabalho também é considerada incômoda e lida permanentemente com ameaças. Recentemente, o presidente da República, Jair Bolsonaro, afirmou que pode extinguir o ramo trabalhista, “se houver clima”.

Nonagenária, Anna Acker continua implacável na luta pela Justiça do Trabalho. Mesmo sob o sol de 37º do verão carioca, em 21 de janeiro, ela se uniu aos colegas no ato em defesa da Justiça do Trabalho, em frente ao Fórum da Lavradio. “Se me convidarem, eu venho sempre.” Em entrevista à No Mérito, ela fala de sua trajetória na magistratura e na AMATRA1.

Trajetória na magistratura

Anna Acker tomou posse como juíza do Trabalho em 1959, após concurso público. Antes, atuara sete anos como advogada. Foi juíza substituta por dez anos até ser promovida a titular. “No 1º grau, nunca entrei em uma lista de merecimento. Só fui promovida a titular por antiguidade.”

Anna Acker passou 18 anos como juíza titular até ser promovida a desembargadora, em 1988, após figurar pela quinta vez em lista de merecimento. Ainda não havia a regra que prevê a promoção compulsória por merecimento ao juiz indicado três vezes consecutivas ou cinco alternadas. A promoção só veio, disse, com a intervenção do poeta Ferreira Gullar, a quem Anna conheceu em sua atuação na magistratura. Próximo de José Sarney, então presidente da República, o poeta lhe sugeriu a promoção.

A jovem Anna se formando em Direito

“Achavam que eu não podia ser promovida porque era de esquerda. Quando entrei pela quinta vez na lista de promoção, telefonei para Gullar e perguntei se podia fazer algo por mim. Ele pediu meu currículo e escreveu uma carta ao presidente. Eram amigos e colegas na Academia Brasileira de Letras. Só fui promovida por isso.”

Anna Acker conta que “talvez por esse retardo de minha chegada ao Tribunal, tive ‘casa cheia’ na minha posse, contando, nada mais nada menos, com a presença de dois autores e signatários da CLT, Arnaldo Sussekind e Segadas Viana.”

Cassação por subversão arquivada

Por suas posições políticas, a magistrada não apenas vira sua carreira atrasar. Também foi a única juíza do TRT-1 que se tentou julgar por “subversão” na ditadura. O presidente do TRT-1 da época, o desembargador César Pires Chaves, propôs sua cassação, em 1964, mas ação foi arquivada por 7 votos a 2. Só Pires Chaves e o representante classista dos empregadores, Ferreira da Costa, votaram contra Anna.

Um orgulho de Anna Acker foi sua atuação no desmembramento da 1ª Região, que deu origem à 17ª Região (Espírito Santo), em 1989. A lei que tratava da matéria de duas regiões estabelecera que só os magistrados que já atuavam na região poderiam figurar na lista de antiguidade para provimento dos cargos. Anna Acker argumentou que a lei era inconstitucional, neste particular.

Ainda como juíza, Anna Acker em audiência numa vara trabalhista

Seu entendimento foi abraçado pelo TRT-1, embora não tivesse sido assim em caso semelhante em outra região, Brasília. Em consequência, os prejudicados ingressaram com ação no Supremo Tribunal Federal e juntaram o acórdão do TRT-1 na linha de entendimento de Anna Acker. “Os mais antigos eram os mais antigos considerando toda a região. O Supremo aprovou por unanimidade. Pensei: agora já posso até ir embora. Já fiz minha parte.”

AMATRA1

No final da década de 1950, um grupo de juízes – sobretudo José Fiorencio Júnior e Délio Maranhão – se empenhou para que a magistratura do Trabalho alcançasse o mesmo nível de remuneração e de estrutura das outros ramos do Judiciário.

Lyad de Almeida liderou o movimento de criação da AMATRA1, para que os magistrados dialogassem e discutissem ações em defesa dos interesses da categoria. “Quem teve a ideia inicial foi o Lyad. Não tínhamos como nos reunir e discutir no Tribunal. O momento político era muito animado, de agrupamento de pessoas, 1963, em pleno governo João Goulart. Havia um clima de liberdade. Francisco Melo Machado se empolgou e foi convencendo as pessoas. Até o Pires Chaves assinou a ata de criação”, lembra.

A AMATRA1 foi pioneira na inserção da mulher nos espaços de poder. Sobretudo nos órgãos do Poder Judiciário, a participação feminina ainda hoje é um tanto tímida. Mesmo assim, em 1978, Anna Acker foi eleita a primeira mulher presidente da associação. “É sempre um desafio. Deu muito trabalho até porque nenhuma mulher havia sido presidente antes. Não havia tanta mulher assim no Judiciário.”

A magistrada aposentada voltou ao cargo de presidente na redemocratização. Foi eleita para o segundo mandato na AMATRA1 (1985-1986), por sua capacidade de luta.

“Estávamos no momento de feitura de Constituição e precisávamos fazer um movimento para corrigir alguns erros e incluir dispositivos mais progressistas. Carlos Coelho dos Santos indicou que eu era a melhor pessoa. Infelizmente, não tivemos êxito porque não nos mobilizamos o suficiente para isso.”

A luta pelos direitos sociais e pela Justiça do Trabalho segue sendo o objetivo de Anna Acker. Sorte da nova geração que pode contar com a experiência dela nos desafios que surgem pela frente. < VOLTAR