17 de fevereiro de 2014 . 00:00

TRT/RJ - Aula Magna da Escola Judicial discute conflitos de leis na União Europeia

 À medida que avança a integração dos países da União Europeia, evidencia-se o dilema da submissão das soberanias constitucionais às normas que emanam do bloco. Hoje, a primazia do direito europeu encontra seu maior contraponto nas garantias fundamentais do cidadão previstas em cada ordenamento jurídico nacional. Esse foi o panorama apresentado pelo espanhol Tomás de la Quadra-Salcedo Fernández del Castillo, professor de Direito Administrativo na Universidade Carlos III de Madrid e ex-ministro da Justiça e da Administração de Território da Espanha, durante a aula magna da Escola Judicial do TRT/RJ (EJ1), na manhã desta sexta-feira (14/2), no auditório do Prédio-Sede do Regional fluminense.

Ao abrir o ano letivo de atividades que integram a Formação Inicial e Continuada de magistrados do Trabalho da 1ª Região, o jurista observou que, no campo legal, há uma tensão permanente entre a construção de uma cidadania europeia e a manutenção das soberanias locais. Isso interfere, inclusive, na nomenclatura das fontes legais elaboradas pelos organismos da União Europeia, que não remetem à melhor técnica legislativa: em vez de leis, são editados os regulamentos, que impõem aos Estados-membros condutas obrigatórias; e as diretivas, que obrigam os Estados à sua transposição para o direito interno em prazo estabelecido.

aula magna ej1
A partir da esquerda: o juiz Titular Andre Gustavo Bittencourt Villela, do Conselho Cultural-Pedagógico da EJ1; a desembargadora Maria das Graças Cabral Viegas Paranhos, vice-presidente do TRT/RJ, no exercício regimental da Presidência; e o palestrante, professor Tomás de la Quadra-Salcedo Fernández del Castillo

De acordo com Tomás del Castillo, a jurisprudência ao redor da Europa já admite que a aplicação dos regulamentos afasta as leis locais. Ou seja, sua aplicação é imediata, o que acarreta não só obrigações para o Estado nacional, como também propicia aos cidadãos invocar a norma a seu favor naquele determinado país.

No caso das diretivas, cujos efeitos dependem de internalização da norma, o palestrante advertiu que prevalece o entendimento segundo o qual o cidadão não pode reclamar os direitos no transcorrer do prazo dado ao Estado nacional, mas este também não pode editar, nesse período, lei contrária ao preceito legal elaborado pela União Europeia. Caso o comando legal não seja cumprido até a data prevista, a diretiva passa, então, a ter efeito direto, uma vez que estabeleça obrigações de caráter imediato.

Desse modo, assinalou o jurista, acomodou-se o conflito entre a primazia das leis de um bloco transnacional – que não conta com o suporte de um povo específico, pois os nacionais não se reconhecem como cidadãos europeus - e as soberanias locais, ancoradas em ordens constitucionais próprias. Assim, entende-se hoje que o direito europeu, seja originário (no caso dos tratados) ou derivado (regulamentos e diretivas), não revoga, mas apenas desloca, as leis internas dos Estados-membros.

A discussão, então, se concentraria sobre os direitos e garantias fundamentais, de natureza constitucional. Na medida em que as Constituições manteriam sua supremacia – em oposição à primazia – em relação às normas da União Europeia, os tribunais constitucionais de cada país poderiam deixar de aplicar regulamentos e diretivas do bloco que eventualmente colidissem com os ordenamentos jurídicos locais. Uma possibilidade que tende a diminuir com o tempo, pois a União Europeia já tem sua própria carta de direitos fundamentais, que leva em conta as garantias previstas nas Constituições nacionais.

SOBRE O PALESTRANTE

Além de ter sido ministro, o professor da Universidade Carlos III de Madrid também foi presidente do Conselho de Estado e presidente da Comissão Geral de Codificação. Atuou na defesa de presos e interrogados políticos, na época da ditadura, e na defesa de diversos meios de comunicação e jornalistas. É comissário pelo Movimento Internacional de Juristas Católicos e da Federação Internacional de Advogados Democráticos, atuando como consultor das Nações Unidas para relatório sobre os desaparecidos na ditadura militar argentina.

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