08 de novembro de 2021 . 16:07

Vacinação contra Covid-19 para empregados é tema de encontro jurídico

A portaria editada pelo governo federal para estabelecer regras sobre o trabalho presencial e a vacinação foi um dos tópicos debatidos no Primeiro Encontro Jurídico de Direito e Processo do Trabalho da Baixada Fluminense, na sexta-feira (5). Magistrados e advogados também trataram do direito cooperativo, das provas digitais e da execução trabalhista, no evento promovido pela AMATRA1 em parceria com a OAB-RJ (Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro) e a Caarj (Caixa de Assistência da Advocacia do Estado do Rio de Janeiro). As duas etapas do encontro estão disponíveis no canal da associação no YouTube.

O juiz do TRT-4 Rodrigo Trindade abriu o dia de debates falando dos impactos da pandemia da Covid-19 e das medidas provisórias. Intitulado “Portaria 620 de 2021, do Ministério do Trabalho: Um estatuto antivacina para chamar de seu”, o primeiro painel focou nos aspectos teóricos e práticos da norma divulgada em 1º de novembro pelo Governo Federal, que cria condições para o trabalho presencial sem que os empregados precisem apresentar o atestado de vacinação.

Segundo o magistrado, o documento tem como objetivo desestimular a vacinação e ignora que esse é o meio mais eficaz de erradicação da pandemia - entendimento já confirmado pela ciência. “A partir da rejeição à vacina, termina-se por relativizar ou anular certos deveres e responsabilidades mútuas na relação de emprego. É dever do empregador manter o meio ambiente de trabalho sadio, seguro, equilibrado, com redução de riscos. E a vacinação é medida necessária não apenas para promover a saúde individual do trabalhador, mas para a efetivação da saúde coletiva”, afirmou.

Magistrado abordou Portaria sobre exigência de comprovante de vacinação para trabalhadores

Trindade destacou que a medida aparenta desprezar as orientações de boa fé na relação de emprego e no compartilhamento de responsabilidades no ambiente de trabalho, elegendo o primado da vontade individual do empregado que não quer se vacinar como superior aos valores coletivos. Além disso, prevê contornos “pouco factíveis” para a vacinação, como a realização de exames periódicos às custas do empregador.

Para Adriana Leandro, 2ª vice-presidente da AMATRA1, “a Portaria é de uma gravidade sem tamanho”. “O negacionismo matou mais de 600 mil pessoas no Brasil. Os operadores do Direito devem trazer esse debate, para que todos percebam o quanto isso é prejudicial. Um dos primados que a sociedade construiu desde sua existência é o da coletivização e da solidariedade. A coletivização é um direito primordial que se sobrepôs ao individual. É isso que nos faz humanos e sociedade”, completou a mediadora do painel.

Execuções trabalhistas

O painel sobre execução foi apresentado, em conjunto, pelo juiz Marcelo Segal, diretor da AMATRA1, e pela desembargadora Marise Costa. Em sua explanação, o magistrado focou na efetividade da execução trabalhista, e frisou ainda haver “pouca execução de forma satisfatória”. “O que é uma injustiça, já que, se está na fase de execução, o estado se fez presente, reconheceu e declarou uma lesão ao direito e, na fase de execução, tenta-se entregar aquilo que a vida negou ao exequente”, completou.

Aspectos técnicos da execução trabalhistas foram tema do painel do juiz Marcelo Segal

O magistrado também falou de algumas ferramentas da execução, como o artigo 108 da Consolidação dos Provimentos do TST (Tribunal Superior do Trabalho), que estabelece que, se houver depósito recursal nos autos e o valor da dívida inequivocamente for superior ao depósito recursal, o juiz deve liberar o depósito de imediato; e de instrumentos tecnológicos, como a plataforma Sisbajud.

“É a mais usada e a que presta melhores serviços à justiça no que diz respeito à captura de dinheiro. Suas partes são o acesso ao sistema; a ordem de bloqueio; pesquisa de informações, na qual conseguimos informações cadastrais do executado; e o módulo de afastamento de sigilo bancário”, explicou.

Já a desembargadora Marise Costa abordou os agravos de petição, baseando-se nas características estabelecidas no artigo 897 da CLT. Para a magistrada, como o recurso é uma revisão de decisão proferida no primeiro grau, exige um segundo olhar mais cuidadoso. “E essa revisão não é solitária, mas em conjunto, o que significa que não basta o reexaminador se convencer de que a primeira decisão recorrida merece ou não algum reparo - é preciso convencer seus pares disso”, afirmou.

No encontro jurídico, desembargadora Marise Costa falou dos agravos de petição

Marise registrou que os agravos de petição têm como consequências obstar o trânsito em julgado e o efeito devolutivo. Ela também das três vertentes da admissibilidade do recurso - uma no primeiro grau e duas na segunda instância.

“Para conhecer o recurso, olhamos a tempestividade - prazo de oito dias -; a legitimidade supostamente ao titular do direito que está em discussão; a capacidade; a assistência; a recorribilidade do ato; o interesse recursal; a garantia do juízo; e se houve delimitação justificada”, completou a desembargadora.

Direito cooperativo e os trabalhadores de aplicativos

No painel “Cooperativismo e plataformas digitais: um caminho possível?”, o advogado Paulo Renato Fernandes falou sobre os princípios históricos que basearam o movimento cooperativista no mundo desde sua origem na revolução industrial. Ocupando um lugar central na ordem econômica brasileira, as cooperativas são associações autônomas de pessoas que se unem voluntariamente para atender necessidades e aspirações comuns, pontuou Fernandes, destacando que a Constituição Federal estimula o cooperativismo e outras formas de associativismo. 

Para advogado, cooperativismo pode ser o melhor caminho para trabalhadores de aplicativos

“A base do cooperativismo é a humanidade, a dignidade humana. Como podemos não abrir os caminhos para o cooperativismo, tendo em vista que ele não só pavimenta o caminho para uma organização societária diferenciada como também promove a educação cooperativa baseada em valores nobres que elevam o patamar do ser humano?”, indagou.

O advogado indicou que, por meio do cooperativismo, os trabalhadores das plataformas digitais podem assumir o protagonismo do novo ecossistema laboral-digital, gerando oportunidades de negócios. Esse caminho poderia fomentar a união do mercado fracionado e desmobilizado, completou. “O Direito Cooperativo do Trabalho oferece importantes elementos para viabilizar, dentro da lei e com segurança jurídica, o fenômeno da ‘plataformização’ digital do trabalho, contribuindo para a concretização dos direitos sociais e econômicos fundamentais das pessoas e da sociedade como um todo.”

Provas digitais e a proteção de dados

Em sua explanação, Roberta Ferme tratou das “Provas digitais na Justiça do Trabalho”, que, segundo a juíza, já vem sendo usadas há algum tempo. Desde antes da pandemia, havia debates sobre a aplicação dos preceitos da Revolução 4.0 no Processo do Trabalho, assim como sobre a inteligência artificial, os metadados e a possibilidade de seu uso pelo Poder Judiciário, pontuou.

“Lidar com as questões digitais na Justiça do Trabalho já é algo muito natural e pioneiro. Fomos a primeira Justiça que introduziu o processo judicial eletrônico e que tem quase totalidade de tribunais com seu acervo digitalizado. Durante a crise, isso foi uma grande vantagem por já sermos familiarizados.”

Provas digitais e proteção de dados foram o enfoque de Roberta Ferme em painel do encontro jurídico

A magistrada elencou como princípios da prova digital a busca da verdade real dos fatos, respeito ao devido processo legal e obediência aos valores constitucionais envolvidos no direito de partes e terceiros. Como um dos requisitos, indicou o interesse jurídico, que une a necessidade, a utilidade e a adequação. 

A ligação com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e a vinculação das provas digitais ao tratamento dos dados também foram abordadas por Roberta. Para a magistrada, o questionamento sobre a LGDP ser ou não aplicável ao juiz “é uma questão muito sensível”. “Se observados os requisitos da LGPD, o juiz pode fazer esse tratamento de dados. Manejamos o processo judicial eletrônico, temos o tratamento dos dados como pressuposto para as provas digitais - não tem como produzir provas digitais sem tratar os dados. Assim, temos que ter algumas preocupações dentro do processo em relação a isso”, ressaltou.

Evento é fruto da parceria institucional

O presidente da AMATRA1, Flávio Alves Pereira, a juíza Adriana Leandro, o procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro (MPT-RJ) e o advogado Erick Rangel, representante da OAB-RJ, participaram da mesa de abertura.

Alves destacou a parceria com as instituições para o encontro, especialmente por ser voltado à Baixada Fluminense, sua primeira área de atuação ao ingressar na magistratura trabalhista do Rio de Janeiro. Segundo Alves, o evento trouxe especialistas de gabarito para discutir assuntos relevantes para a comunidade jurídica. “O Direito do Trabalho é vivo e, normalmente, faz-se ainda mais necessário nas crises. Sem os direitos sociais, não há democracia, evolução, uma sociedade minimamente organizada e uma vida digna.”

A parceria também foi exaltada pelo advogado Erick Rangel, representante da OAB-RJ. “É muito importante fazer esse intercâmbio de conhecimentos entre os setores do Direito do Trabalho. O evento é muito importante para a advocacia, pois contribui muito para o nosso dia a dia e condução do nosso trabalho.”

Para o procurador-chefe do MPT-RJ, João Batista Berthier, a conversa entre magistrados, advogados e procuradores é essencial, principalmente nos dias atuais. Berthier afirmou ser necessário falar da Reforma Trabalhista - que considera um remédio que não traz a cura, uma “cloroquina do Direito” -, da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), da Constituição e dos atos internacionais da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

“O Direito do Trabalho precisa preservar sua vocação protetiva. Costumo falar que o Direito do Trabalho é uma ponte imprescindível entre o capitalismo e a democracia. Sem ele, o capitalismo é meio caminho andado para o autoritarismo”, ressaltou o procurador-chefe.

Além dos painelistas, participaram do evento, como mediadores, a juíza Adriana Leandro e os advogados Erick Rangel, Claudia Calixto e Amanda Santoro.

Veja a primeira parte do evento:


Veja a segunda parte do evento:
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