30 de abril de 2020 . 14:31

Assistente social do TRT-1 aborda desigualdade de gênero na pandemia

A pandemia do novo coronavírus provocou mudanças no mundo do trabalho, especialmente para as mulheres. Em artigo publicado no portal do TRT-1 nesta quinta-feira (30), a assistente social do Tribunal e mestre e doutora pela UFRJ, Karla Valle, aponta o agravamento da desigualdade de gênero nas relações de emprego durante a crise na saúde.

No texto, que faz parte das ações do TRT-1 na campanha “Abril Verde”, Karla afirma que os conflitos entre vida pessoal e trabalho tendem a ser intensificados de forma mais acentuada para as mulheres durante o período de distanciamento ou isolamento social.

“As trabalhadoras se dividem em uma dupla jornada de trabalho, realizando o trabalho do cuidado doméstico, informal, ‘invisível’ e naturalizado mediante a divisão sexual do trabalho, ao tempo em que devem ser capazes de atender às exigências do seu labor formal. Tal realidade reivindica das mulheres uma permanente necessidade de controle emocional, o que eleva a tensão emocional para além da sobrecarga física”, disse.

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A assistente social destacou ser importante a garantia do direito à desconexão do trabalho enquanto as atividades forem realizadas no sistema de home office. “Trabalho à distância não deve ser trabalho 24 horas”, frisa. 

Ela também indica ações que as empresas podem aderir para auxiliar as trabalhadoras no período, como implementar acordos para jornadas de trabalho mais flexíveis; apoiar mães com opções de cuidado infantil apropriadas para o contexto da Covid-19; e defender medidas governamentais de proteção social.

Leia o artigo na íntegra:

A pandemia de Covid-19 e a desigualdade de gênero - a mulher trabalhadora dentro e fora de casa

O Abril Verde vai chegando ao fim, mas a preservação da saúde e segurança no trabalho deve continuar por todo o ano. Nesse texto, abordaremos a majoração das desigualdades de gênero, bem como o aumento dos riscos de violência de gênero como intercorrências sociais, políticas e econômicas advindas da conjuntura de enfrentamento à pandemia da Covid-19 e ao necessário uso de estratégias como o distanciamento/isolamento social. Se falamos de prevenção de acidentes e doenças no trabalho, devemos lembrar que o adoecimento também pode advir da sobrecarga física e mental nas novas condições de trabalho impostas pela pandemia de Covid-19.

De acordo com o Secretário Geral das Nações Unidas, António Guterres, durante pandemias e medidas de isolamento social e quarentena, há uma clara tendência de regressão dos direitos das mulheres, seja pela maior precarização laboral, seja pelo aumento da exposição a riscos de saúde (no cuidado formal e informal de pessoas adoecidas e pelas restrições dos serviços de saúde); seja pela violência doméstica. Debatemos, portanto, na realidade brasileira, um contexto de crise societária que é agravada pelas especificidades de nossa conformação sócio-histórica.

Desta feita, o necessário fechamento de escolas e creches é um dos principais aspectos desta crise. Com isso, temos mulheres que, apesar de não desobrigadas de suas obrigações laborais formais, encontram-se submetidas à uma dinâmica de aprofundamento de vulnerabilidades sociais, visto que a rede de proteção social formal (escolas, creches, cuidadores de idosos, etc.) e informal (parentes, família extensa, vizinhos, etc.) encontra-se suspensa e/ou repleta de limitações. Portanto, o conflito vida-trabalho tende a agravar-se durante a pandemia, gerando ainda maior sobrecarga prática, objetiva e psíquica às famílias e, mais especificamente às mulheres trabalhadoras, aumentando a sensação de sobrecarga, solidão e exaustão.

As trabalhadoras se dividem em uma dupla jornada de trabalho, realizando o trabalho do cuidado doméstico, informal, ‘invisível’ e naturalizado mediante a divisão sexual do trabalho, ao tempo em que devem ser capazes de atender às exigências do seu labor formal. Tal realidade reivindica das mulheres uma permanente necessidade de controle emocional, o que eleva a tensão emocional para além da sobrecarga física.

Por essa razão, um questionamento (reivindicação) importante para esse momento consiste em saber o motivo pelo qual ainda é residual a inclusão de mulheres nos processos decisórios de adoção de medidas (sejam institucionais, laborais ou públicas) ao enfrentamento da pandemia, já que estas são as suas principais vítimas. É também um momento em que mulheres com melhores condições de trabalho devem auxiliar aquelas que prestam serviços às suas famílias (faxineiras, cuidadoras, etc.), ao mesmo tempo, em que as que podem fazer o teletrabalho não devem ser cobradas a aumentarem (ou manterem) a produtividade nessa conjuntura, visto que o teletrabalho não é uma benesse, mas o cumprimento das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). 

Para além disso, é importante darmos visibilidade ao aumento da violência de gênero e da violência doméstica durante a pandemia. De acordo com quem estuda o tema, os casos de violência doméstica aumentam em períodos de estresse e perturbação prolongados, como crises financeiras e desastres naturais. 

O que as empresas podem fazer? 

Implementar acordos para trabalho flexível; 

Apoiar mães com opções de cuidado infantil que sejam seguras e apropriadas e para o contexto da Covid-19;

Prevenir e eliminar possíveis riscos oferecidos pelo local de trabalho, fortalecendo medidas de segurança e saúde ocupacional;

Providenciar orientação e treinamento em segurança e saúde ocupacional e boas práticas de higiene;

Encorajar e orientar trabalhadoras a buscar atendimento médico apropriado em caso de febre, tosse e dificuldade respiratória;

Apoiar trabalhadoras a lidar com o estresse e a segurança pessoal durante a crise de Covid-19; e

Apoiar medidas governamentais de proteção social.

É importante garantirmos o direito à desconexão do trabalho. Trabalho a distância não deve ser trabalho 24 horas. Nesse sentido, em tempos de trabalho remoto excepcional, não planejado, em que inclusive aqueles indivíduos que já faziam o teletrabalho tiveram reduzidas e/ou limitadas as suas condições práticas e objetivas de labor, faz-se necessário ser realista e não negar a excepcionalidade da situação vivenciada; não é um momento para aumento da cobrança de metas.

De acordo com o diretor-geral da OIT, o teletrabalho oferece novas oportunidades para os trabalhadores continuarem em atividade e os empregadores seguirem com os negócios durante a crise. No entanto, os trabalhadores devem ser capazes de negociar esses arranjos a fim de manter o equilíbrio com outras responsabilidades, como cuidar dos filhos, de doentes ou idosos e, é claro, deles próprios.

Nesse sentido, o gestor deve avaliar se existem tarefas substitutivas que podem ser indicadas à tarefa original em casos de dificuldades, se há a necessidade de mudança de parâmetros inerentes às cobranças e rotinas laborais. Por exemplo: mães chefes de família, com filho, que estão no esquema de homeschooling e com crianças que ainda demandam tratamentos extras, como terapia como a fonoaudiológica. É urgente que a produtividade, em um caso como esse, seja relativizada e que os horários de cumprimento da jornada laboral possam ser flexibilizados, acordados com os gestores.

Construir um trabalho seguro e decente para as mulheres trabalhadoras significa, sob uma ótica de interseccionalidade (gênero, classe e raça), promover um chamamento da responsabilidade do poder público, das instituições empregadoras e da sociedade em geral para, além da preservação da saúde física e psíquica das mulheres, dar visibilidade à prevalência e ao recrudescimento das desigualdades e dos retrocessos de direitos das mulheres no contexto da pandemia.

*Foto: Freepik < VOLTAR