15 de março de 2022 . 13:24

‘Estamos aqui: filhas, companheiras, mães, amigas, magistradas e mulheres’

Na coluna “Mulheres, por elas mesmas” desta terça-feira (15), a desembargadora Marise Costa Rodrigues homenageia não só uma, mas várias mulheres que fazem parte de sua trajetória pessoal e profissional. Sua mãe, irmã e colegas de magistratura – “Anas, Cléas, Áureas, Elietes, Auroras e Amélias” – foram descritas pela magistrada no artigo “De onde elas vêm?” O texto é a terceira publicação da iniciativa da Diretoria de Direitos Humanos da AMATRA1, pelo mês do Dia Internacional da Mulher. 

De onde elas vêm?

Por Marise Costa Rodrigues

Nesse espírito de nos enxergar mulheres, recebo o convite para escrever sobre uma mulher, mas não consigo. Preciso lidar com mais de uma. Eu vejo as Edires, Marcias, Anas, Cléas, Áureas, Elietes, Auroras e Amélias... Em tantas de nós!

Elas vêm de dentro, porque cada um tem uma visão diferente do outro, diferente de como o próprio outro se vê, e aí está a graça. Então, agora, será a minha visão de algumas mulheres, que compartilho com vocês.

Edir é minha mãe. Mãe que foi para a faculdade quando eu já tinha dez anos e meus irmãos na casa dos vinte. Mãe que me deu asas para onde eu quisesse voar. Que acreditou em si, em mim e na nova geração de mulheres com as quais um mundo novo se mostrava, com escolhas e oportunidades.

A Marcia, minha irmã e madrinha, berrava quando eu abria a porta de seu quarto, quarto que hoje dividimos quando estamos com meus pais, na mesma casa. Casou muito cedo, quase adolescente, formada em arquitetura e já professora, criou uma escola, criou três filhos e hoje bajula o neto, com mais um chegando. Desbravou muitos caminhos meus, porque me mostrou que era possível trabalhar no que se gosta e porque sempre mergulhou de cabeça em seus projetos. Não para de estudar, lida com cultura na veia, tem ótima oratória e me dá uma lição de vida a cada momento de convivência. 

As Marcias minhas amigas são protagonistas do meu início de carreira e me acompanham desde então. Vou tratar como se fossem uma só, apesar de serem muito diferentes. Já na minha primeira designação, na Corregedoria, Marcia me acolheu, me buscou em casa e me mostrou o caminho... Caminho que adotei para a maior parte da minha profissão. Não havia Escola Judicial com cursos, treinamentos, tutorias, mas eu tinha a Marcia. Fiquei sentadinha ao lado dela um tempo, e depois ela que sentou ao meu lado nas audiências, as quais ela guiava com maestria, ouvia a todos e todos os “ruídos”. A gentileza, a atenção e o cuidado, me revelaram o quão grandiosa é nossa missão na sociedade, no Judiciário, enquanto mulheres. Porque é diferente, sim, senti isso desde o primeiro olhar nos despachos e na sala de audiências, quando no ar pairava uma desconfiança, pela voz, pelo olhar, pelos gestos, o que, internamente, acentuava minhas fragilidades, pela idade e gênero. Nos momentos tormentosos, profissionais e pessoais, elas têm suas mãos estendidas e já me resgataram algumas vezes de buracos internos difíceis, o que eu espero que nunca deixem de fazer. Até hoje me acenam com sua força de trabalho e disposição para ajudar. Amo demais!

Em algumas ocasiões já vi as Marcias, com seu metro e meio, pisando firme e forte, colocando dedo em riste ou procurando a melhor solução coletiva para um problema que a muitos afligia, sem se acovardarem ou se fragilizarem. Outras vezes uma mulher cuidando da casa, do filho e da filha, do futuro deles, sem esmorecer.  As vi com alegria de artista, em afazeres de casa e com pincéis na mão, cantando ou apenas com seus estimados cães. As vi apaixonadas! 

As Malus são as que te pinçam, te olham, te conhecem e te ajudam nas escolhas, porque acreditam no que veem. Ensinam, dão corda, deixam um rastro de confiança que jamais te abandona. Fui estagiária de uma delas e aprendi muito sobre Direito do Trabalho, depois nos encontramos aqui, na casa TRT-1, por onde ela passou, mas não se acomodou. 

As Anas, Marias, Ritas… Maravilhosas! Mulheres que estarão sempre ativas e presentes.  Fortes, marcantes, cada qual com seu perfil. Anna, já apelidada de uma juíza “incômoda”, um ícone no nosso Judiciário, sem dúvida. Ana Maria é excêntrica, pequenina e grandiosa. Tem fala mansa e espírito conciliador. Ana Rita é – no presente, porque nunca sairá da minha (nossa) memória – doce, frágil e forte. São as guerreiras que quero ser para enfrentar tudo, tudo, tudo que faz parte do viver! Tive Ana Rita comigo em Duque de Caxias e ela me ensinou a conviver com nossas cicatrizes e não esmorecer. Lembro de seu sorriso, lindo, abrindo alas para conversas longas e variadas, sem pressa. Que saudade... 

Patrícias, lindas e cativantes, donas de um olhar meigo e fraterno! Comprometidas com a família e o trabalho, são quietas. As vejo como formiguinhas construindo um formigueiro, que nunca termina. Quando se vão, fica um vazio, mas a obra não para.

Não poderia não mencionar as eternas professoras, nossas Rosildas e Angélicas! Difícil quem não passou, passa ou passará pelos bancos onde compartilham seu saber.

E temos as Cléas, Áureas, Elietes, Auroras, Amélias… São tantas mulheres que quero homenagear! Não as estou listando e não conseguiria esgotá-las, de forma que me perdoem as centenas não nomeadas, mas não esquecidas. Cléa conheci recém chegada ao Tribunal, em uma reunião em que assumia ser “barbeira”, perguntando de quem era o carro estacionado que ela tinha abalroado, com seu enorme coração. Hoje, com precisão, é a melhor “organizer” que conheço. Áurea, arretada, chuta as portas e grita o quanto pode, e pode muito, ainda bem! Quero muito que continue gritando vida afora. Eliete é nossa porta-bandeira e “força-tarefa”, símbolo de muitas conquistas. Nunca a vi fugir de uma boa briga ou, em situação de conforto, encabeça projetos inestimáveis para o senso de cidadania e justiça. Aurora e Amélia, muito queridas, cada qual no seu tempo e no seu espaço, sempre muito bem construídos e aproveitados, marcantes em sua essência para cada um que tocaram.

O que penso nesse texto variado, em que claramente não consigo concluir e incluir todas as mulheres que gostaria, nem me aprofundar sobre cada uma como deveria, porque merecem, é que todas somos e estamos aqui: filhas, mães, companheiras, amigas, magistradas e MULHERES, brancas, negras, católicas, espíritas, flamenguistas, vascaínas, botafoguenses, tricolores... Sofredoras, felizes, amantes, emocionantes.  

Pretendemos igualdade e respeito ao longo da história, contra condições precárias e exploração ilimitada da nossa força de trabalho e nossos sentimentos, seja no lar, seja fora dele. Por isso, poder contar um pouquinho sobre as mulheres que contribuem para as minhas conquistas acaricia a minha alma e meu coração, onde todas estão. 

Muito bom dividir esse espaço com vocês, como um abraço bem largo e apertado!  Gratidão.

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