16 de abril de 2021 . 13:47

Juíza Bárbara Ferrito fala ao Globo sobre a lei contra desigualdade salarial

A inequidade salarial entre homens e mulheres é uma das expressões da desigualdade de gênero no mercado de trabalho. Para tentar corrigir distorções, o Senado Federal aprovou um projeto de lei que objetiva punir empresas que pagam salários diferentes a trabalhadores e trabalhadoras que ocupam o mesmo cargo. Em entrevista para a plataforma Celina, do jornal “O Globo”, a juíza do Trabalho Bárbara Ferrito, diretora de Cidadania e Direitos Humanos da AMATRA1, afirmou que a proposta, que aguarda sanção ou veto presidencial até 26 de abril, pode acabar reduzindo as contratações femininas.

“Esse tipo de medida pode até desincentivar a contratação de mulheres. Há esse risco. A empregada só poderá exigir essa multa depois que pedir demissão. Não pode fazer nada enquanto está contratada. A lei acaba deixando a trabalhadora exposta, e não ataca a estrutura que gera essa diferenciação salarial”, destacou a magistrada ao Globo.

Aguardando apreciação no Senado há dez anos, o PLC 130/2011 acrescenta um terceiro parágrafo ao art. 401 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O texto determina como infração o uso do sexo, da idade, da cor ou da situação familiar como variável determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão na empresa. 

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A multa a ser paga pelo empregador à trabalhadora corresponde a até cinco vezes a diferença verificada em todo o período da contratação, com o limite de cinco anos. Para conseguir a indenização, a empregada discriminada em razão do gênero terá até dois anos após a rescisão do contrato para recorrer à Justiça do Trabalho. 

“É preciso um mecanismo que possa equilibrar essas relações de poder e colocar essa responsabilidade em outros agentes, seja na própria empresa, obrigando-a a informar seus quadros de cargos e salários aos órgãos de fiscalização, seja no próprio Ministério Público do Trabalho, como fiscalizador”, disse à reportagem do Globo Ligia Fabris, professora da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas.

A equiparação salarial para pessoas que executam as mesmas atividades, “sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade”, já é prevista no art. 461 da CLT. A redação acrescentada pela Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467) estabelece pagamento das diferenças salariais devidas e multa de 50% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. 

No entanto, o texto indica que a equiparação pode ser aplicada apenas quando houver igual produtividade e mesma perfeição técnica entre os trabalhadores comparados, o que torna difícil a exigência de igualdade salarial, explicou Regina Stela Vieira, professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também ouvida pela reportagem.

“Em uma linha de montagem é uma coisa, mas como se calcula isso numa profissão que não é metricamente quantificável, como a de professor, por exemplo? Fica quase impossível fazer essa comprovação”, exemplificou.

Problema social histórico, a discriminação de mulheres nos cargos de trabalho ainda alcança números alarmantes, como mostrou a pesquisa “Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil”, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica), divulgada em março. De acordo com o estudo, em 2019, as mulheres receberam apenas 77,7% do salário dos homens, apesar de terem mais anos de estudo.

“Vivemos no patriarcado, em uma sociedade com bases machistas. Então a lei é necessária para o caminho da igualdade efetiva. Ela vai funcionar como uma política afirmativa para corrigir um erro histórico. Mas a legislação terá que ser acompanhada de um processo de educação sobre a divisão sexual do trabalho e a desigualdade salarial. Os próprios governos têm que investir nisso”, ressaltou ao Globo a advogada Marisa Gaudio, diretora de Mulheres da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro (OAB-RJ).

*Foto: O Globo/ Freepik < VOLTAR