06 de agosto de 2021 . 15:35

Profissão atleta: entenda como funciona o contrato de trabalho de esportistas

As Olimpíadas de Tóquio trouxeram à tona o debate sobre a profissionalização do esporte. Segundo um levantamento do Globo Esporte, 33 dos 309 atletas da delegação brasileira que viajaram para a capital do Japão não vivem exclusivamente dos desportos, dedicando-se também a outras atividades, como o transporte por aplicativos. Outros 78 não recebem apoio financeiro do Poder Público.

Do total, 24 recebem bolsa de valor inferior a um salário mínimo (R$ 925); 131 não têm nenhum patrocínio ou permuta, e 41 precisaram fazer arrecadação de dinheiro – “vaquinhas” – para competir nos Jogos!

O juiz do Trabalho Glener Pimenta Stroppa, diretor da AMATRA1, explica que, conforme estabelecido na Lei Pelé (Lei 9.615/98), o desporto de rendimento, que é a manifestação do esporte nas competições nacionais e internacionais, pode ser organizado e praticado de modo profissional ou não-profissional.

“O desporto de rendimento de modo profissional, em que se enquadra o atleta de alto rendimento, é caracterizado pela remuneração prevista em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade desportiva. Já o modo não-profissional se caracteriza pela liberdade de prática e pela inexistência de contrato de trabalho, sendo permitido o recebimento de incentivos materiais e de patrocínio. Assim, apenas os praticantes do desporto profissional têm a obrigatoriedade de contratação regida pela CLT e pelas disposições da Lei Pelé”, afirmou.

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A formalização do vínculo é, necessariamente, estabelecida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas há também o Contrato Especial de Trabalho Desportivo, de caráter acessório ao vínculo empregatício. Glener pontua que o documento garante diferenças bem específicas, como o contrato de trabalho por tempo determinado (mínimo de 3 meses e máximo de 5 anos); a existência obrigatória de cláusula indenizatória desportiva, devida, exclusivamente, à entidade de prática desportiva, e de cláusula compensatória desportiva, devida pela entidade ao atleta; e o registro obrigatório do contrato de trabalho desportivo na entidade. 

“É importante ressaltar que o artigo  28, §4º, da Lei Pelé estabelece que são aplicáveis aos atletas profissionais o disposto na legislação trabalhista e de seguridade social, ressalvadas as peculiaridades da própria lei especial (Lei Pelé)”, destacou o juiz.

Previsão legal para atletas menores de idade

Outro fato que chamou atenção foi a participação de atletas menores de idade nas Olimpíadas. Nesta edição, o Time Brasil contou com a atuação da esportista mais jovem da história do país na competição: Rayssa Leal, de 13 anos, que trouxe para casa a medalha de prata na modalidade skate street.

Aos 13 anos, Rayssa Leal conquistou medalha de prata no skate. Foto: CBSk/Julio Detefon

O juiz explica que a autorização para atletas da idade de Rayssa participarem de eventos nacionais e internacionais deve ser dada pelo responsável legal, “uma vez que não é aplicável o Capítulo IV da CLT (Proteção do Trabalho do Menor), por não existir contrato de trabalho subordinado”.

“Particularmente, em uma interpretação elástica do que prevê o artigo 406 da CLT, referida autorização ficaria a cargo do Juiz da Infância e Juventude, sendo relevante ressaltar que há entendimentos que de que essa competência, após a EC 45/2004, seria da própria Justiça do Trabalho, com base no artigo 114, IX, da CF/88”, ressaltou.

Na legislação, como indica o magistrado, há apenas a previsão legal para o atleta maior de 16 anos que não mantém relação empregatícia com entidade de prática desportiva, sendo caracterizado como autônomo e auferindo rendimento por conta e por meio de contrato de natureza civil. “Ou seja, referido atleta é aquele que pratica modalidade individual como, por exemplo, natação, tênis, judô e atletismo”, completou. O tema é determinado no artigo 28-A, da Lei Pelé.

Além disso, o artigo 29, §4º da mesma lei versa sobre o atleta não-profissional em formação, maior de 14 e menor de 20 anos, para receber auxílio financeiro da entidade de prática desportiva formadora.

“Fora esses dispositivos legais, não há outra previsão legal na Lei Pelé a respeito de participação de atletas menores em eventos desportivos.”

Lei Pelé garante direitos a todos os atletas?

Sancionada em março de 1998, a Lei Pelé estabelece normas gerais sobre o desporto e norteia a atuação profissional jusdesportiva. De acordo com Glener, a Lei Pelé é fonte garantidora de direitos trabalhistas apenas ao atleta profissional de alto rendimento, já que, nesse caso, é obrigatória a formalização do contrato de trabalho.

Além disso, apenas os atletas da modalidade futebol são, obrigatoriamente, contemplados pela norma. Às demais modalidades desportivas, a adoção dos preceitos é facultativa.

“Apesar de ser prática desportiva de alto rendimento, os demais atletas (a maioria das práticas olímpicas), que não da modalidade de futebol, se enquadram no desporto de alto rendimento do modo não-profissional, a não ser que venham, espontaneamente, a se enquadrarem como profissionais com vínculo empregatício.”

Atletas do futebol são, obrigatoriamente, amparados pela Lei Pelé. Foto: Lucas Figueiredo/CBF

Falta investimento no esporte

Para o juiz Glener Pimenta Stroppa, a atual situação dos atletas, bem exemplificada pelas condições dos integrantes do Time Brasil nas Olimpíadas de Tóquio, é um reflexo da falta de investimento do Poder Público nos esportes. Ele observa que o fato é uma violação ao artigo 217 da Constituição Federal de 1988, que determina ser “dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um”.

“Claro que o cenário já foi bem pior, tendo melhorado consideravelmente a partir do ano de 2005, quando se instituiu o programa de bolsas para financiamento e participação de atletas de alto rendimento em competições nacionais e internacionais. Mas percebo que falta, para incrementar ainda mais o esporte nacional, uma maior vontade política por parte do Poder Público, que deve enxergar a prática desportiva como fator de integração e inclusão social, e não somente como despesa.”

Como caminho para que o esporte seja entendido e respeitado nacionalmente enquanto profissão e com direitos trabalhistas garantidos, Glener sugere a extensão das normas legais previstas na Lei Pelé para as demais modalidades desportivas, tanto as coletivas quanto as individuais.

Seleção feminina de volêi disputa a final nas Olimpíadas de Tóquio. Foto: Gaspar Nóbrega/COB

“Deixar tão somente nos ombros do atleta a busca por patrocínios e permutas, com a finalidade de sustentar a si próprio e de ter condição de participar de eventos desportivos, é demasiado injusto e contraproducente.”

Assim como a expansão no campo legal, a ampliação do investimento do Poder Público seria outra forma de garantir avanços. “Fomentar práticas desportivas formais e não-formais, por meio de incentivo com programas de bolsas ou até mesmo em parceria com o setor privado, por certo impulsionará o desenvolvimento de nosso cenário esportivo”, concluiu o juiz.

Foto principal: Satiro Sodré/SSPress/CBDA

Por: Carol Borges < VOLTAR