14 de abril de 2020 . 14:11

‘Está sendo um horror’, diz médico sobre realidade de profissionais em pandemia

“A realidade é péssima, está sendo um horror.” A declaração do médico Raphael Câmara, conselheiro do Conselho Federal de Medicina e do Cremerj (Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro), resume a situação à qual profissionais da saúde estão sendo submetidos em grande parte dos hospitais brasileiros durante a pandemia do novo coronavírus. O médico tem participado de vistorias diárias em hospitais no estado do Rio e de reuniões com autoridades, como o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

Doutor em Ciências pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e mestre em saúde pública pela UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Câmara faz dois alertas sobre protocolos usados nas unidades de saúde. Ele afirma que, além de não serem adequadas como prevenção, as medidas não são atualizadas na mesma velocidade em que as novas características do vírus são descobertas. Ficam, portanto, rapidamente ultrapassadas.

Médicos não recebem EPIs suficientes contra coronavírus. Foto: Agência Brasil

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Segundo o médico, a distribuição dos equipamentos de segurança está aquém do exigido pela gravidade do cenário. “Em muitos lugares, não estão sendo entregues, e, em outros, o estoque está com número crítico. Vai faltar equipamento”, afirma.

A falta de proteção no ambiente de trabalho também impacta na vida pessoal dos profissionais. O conselheiro ressalta que muitos trabalhadores sequer conseguem ter rotina familiar em meio à pandemia. “Médicos estão precisando se isolar; alguns estão ficando em hotéis.”

Veja a entrevista do médico Raphael Câmara na íntegra:

AMATRA1: Qual é a realidade dos profissionais de saúde hoje no Brasil? Que desgastes a mais têm sofrido durante a pandemia?

Raphael Câmara: A realidade é péssima, está sendo um horror. Os profissionais recebem péssimos salários e não têm vínculos trabalhistas bem estruturados. A grande maioria é contratado por PJ (Pessoa Jurídica), sem concurso. Os treinamentos, quando existem, não são bons. As estruturas são ruins, não existem Equipamentos de Proteção Individuais (EPIs) para todos. Tudo que sempre foi ruim e todos os problemas que falamos há tempos ficaram muito mais evidentes agora.

A: Médicos e demais profissionais da área estão recebendo os EPIs necessários, levando-se em consideração as recomendações da OMS?

RC: Em muitos lugares, não estão sendo entregues, e, em outros, o estoque está com número crítico. Vai faltar equipamento. As recomendações da OMS são para países pobres, não são as melhores. Se seguissem as recomendações do CDC (Centers for Disease Control and Prevention dos EUA), por exemplo, seria distribuído a máscara N95 para todos que lidam com pacientes suspeitos ou infectados. Aqui, usa-se apenas máscaras cirúrgicas.

A: Quais são os protocolos de segurança atuais para médicos e demais profissionais nos hospitais? Esses protocolos são eficientes e/ou suficientes?

RC: Os protocolos são elaborados pensando em dinheiro, em economizar, e não são eficientes nem suficientes. Uma pesquisa da UFRJ mostrou que, de 30 de março a 3 de abril, já eram 25% dos profissionais de saúde do Rio infectados.

A: Qual seria o procedimento adequado para, ao menos, diminuir o índice da doença entre esses trabalhadores?

RC: Além do uso de EPI, adotar protocolos mais rigorosos, como o do CDC. Porque, na verdade, ainda não se sabe todas as formas de infecção do vírus. A cada dia se descobre algo novo — antes, achava-se que era apenas por gotículas; agora, já sabemos que o vírus pode ficar em suspensão no ar por horas. Os protocolos foram feitos quando ainda não se conhecia o vírus e isso não foi mudado, em maioria.

A: Os profissionais que atendem nas unidades de saúde podem se negar a atender um paciente com suspeita de Covid-19 por não estarem com material de proteção pessoal adequado?

RC: Fizemos uma resolução no Cremerj determinando que o profissional só deve atender se estiver usando EPIs.

A: A rotina familiar dos profissionais da saúde tem sido afetada pela pandemia?

RC: Muitos sequer têm rotina familiar. Os médicos estão precisando se isolar; alguns estão ficando em hotéis. Vários vizinhos estão hostilizando profissionais da saúde. Esse tem sido o pior dos cenários. Além de não poder ter lazer, assim como as demais pessoas, os médicos também não podem se encontrar com a família.

A: Como proteger os familiares? É preciso adotar medidas de segurança específicas?

RC: A maneira correta de proteger os familiares é se isolar. A família deve ficar em casa e o médico não deve ter contato com os familiares, porque tem que encontrar com pacientes doentes e suspeitos no trabalho.

*Foto: Agência Senado < VOLTAR