10 de junho de 2020 . 12:27

Pobreza e racismo são raízes do trabalho infantil, afirma Isa Oliveira, do FNPETI

O trabalho infantil está diretamente ligado à desigualdade social, à pobreza e ao racismo, afirmou a secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), Isa Oliveira, à AMATRA1. Para ela, a crise provocada pelo novo coronavírus piora este cenário, porque expõe famílias a ainda mais vulnerabilidade socioeconômica.

A secretária-executiva destacou ser obrigação do Estado brasileiro garantir à população afetada pelo trabalho infantil “uma renda - não emergencial, mas básica” para proteger as crianças e adolescente e prevenir o trabalho precoce.

Isa Oliveira citou como um dos desafios no combate à prática no Brasil a adoção de medidas para manter a tendência de redução dos casos e possibilitar o cumprimento da meta de erradicar o trabalho infantil até 2025. De acordo com a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE, de 2016, o país registrou 2,4 milhões de crianças e adolescentes em situação de trabalho irregular.

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“O contexto da pandemia agrava as condições, mas nós já tínhamos redução drástica dos recursos destinados às políticas sociais, um fator extremamente grave que afeta as ações estratégicas do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), o atendimento de assistência social às famílias e às crianças em situação de trabalho infantil e as ações de inspeção do trabalho. Esse cenário anterior à pandemia já colocava em risco o cumprimento desse importante objetivo”, ressaltou.

Para gerar reflexão sobre a problemática que afeta milhares de brasileiros, as campanhas nacional e estaduais de 2020 têm o tema “Covid-19: agora mais do que nunca, protejam crianças e adolescentes do trabalho infantil”. Neste ano, a ação está promovendo diversas atividades à distância, como o lançamento da música “Sementes”, dos rappers Emicida e Drik Barbosa, seminários virtuais e rodas de conversa.

“Outro destaque da campanha é a articulação de entidades e instituições como o Fórum Nacional, os Fóruns Estaduais, a Justiça do Trabalho, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Ministério Público do Trabalho (MPT). Essa união trouxe força à iniciativa”, disse Isa.

Veja a entrevista na íntegra:

AMATRA1: O Brasil já enfrenta uma situação grave em relação ao trabalho infantil. Qual o impacto que a crise causada pela pandemia da Covid-19 pode ter neste cenário? 

Isa Oliveira: O contingente de crianças e adolescentes que trabalhavam ou ainda trabalham, de 2,4 milhões, é inaceitável e preocupante. No contexto da Covid-19, a crise econômica se agrava e eleva os níveis de desigualdade social e pobreza que, junto ao racismo, são as causas e raízes do trabalho infantil. Então, sem dúvida há um risco de aumento do trabalho infantil, particularmente no pós-pandemia. É obrigação do Estado brasileiro garantir às famílias em situação de vulnerabilidade e afetadas pelo trabalho infantil uma renda - não emergencial, mas básica - para proteger as crianças e prevenir o trabalho infantil.

A: A pandemia também mudou o formato da campanha este ano. No lugar de um lançamento presencial, serão diversas ações virtuais. As atividades podem alcançar mais pessoas dessa forma?

IO: A pandemia mudou as condições de realização de campanhas e mobilizações do 12 de junho, que aconteceram de 2013 a 2019. A própria OIT recomendou a realização da campanha virtual, em respeito ao isolamento social necessário ao enfrentamento da pandemia. A nossa expectativa é que, numa conjugação de esforços e com a utilização dos perfis de todas as entidades e pessoas influentes, a gente possa chegar a um segmento que a campanha convencional não chega. É uma experiência nova e está nos trazendo oportunidade de aprendizados. 

A: Quais são os destaques da programação deste ano?

IO: O maior destaque é o lançamento da música “Sementes”, que foi composta e interpretada pelo Emicida e pela Drik Barbosa. Uma canção linda que trata do tema de forma lírica com muita força. Vale a pena ouvi-la, cantá-la e levá-la para todos os cantos do Brasil. Outro destaque é a articulação de entidades e instituições como o Fórum Nacional, os Fóruns Estaduais, a Justiça do Trabalho, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Ministério Público do Trabalho (MPT). Essa união trouxe força à iniciativa. 

A: Quais são os atuais desafios na luta pela erradicação do trabalho infantil? 

IO: Um dos desafios do enfrentamento ao trabalho infantil neste contexto é tomar medidas eficazes para manter a tendência de redução, ainda que lenta, registrada na série histórica da PNAD, do IBGE, entre 1992 e 2016, com apenas 2 momentos de inflexão, em 2005 e 2014. Este é um desafio: consolidar e acelerar para, em 2025, eliminarmos todas as formas de trabalho infantil, que é o compromisso do Estado brasileiro no âmbito do desenvolvimento sustentável das Nações Unidas.

Brasil tem meta de erradicar o trabalho infantil até 2025. Foto: Ministério do Trabalho

A: O Programa Jovem Aprendiz é um caminho para tirar adolescentes do trabalho irregular?

IO: Os programas de aprendizagem profissional são estratégias importantes no enfrentamento do trabalho infantil dos adolescentes, particularmente os de 15 a 17 anos, que trabalham em atividades perigosas, degradantes, que podem comprometer o pleno desenvolvimento físico, mental, psicológico, cognitivo e moral. A aprendizagem profissional é um direito fundamental e deve ser assegurada.

A: O Brasil assumiu o compromisso de eliminar todas as formas de trabalho infantil até 2025. Qual é a atual conjuntura do país neste propósito?

IO: O contexto da pandemia agrava as condições, mas nós já tínhamos redução drástica dos recursos destinados às políticas sociais, um fator extremamente grave que afeta as ações estratégicas do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), o atendimento de assistência social às famílias e às crianças em situação de trabalho infantil e as ações de inspeção do trabalho. Esse cenário anterior à pandemia já colocava em risco o cumprimento desse importante objetivo. Ou seja, mais uma vez, o Estado brasileiro não vai cumprir com a meta com a qual ele se comprometeu. É importante a gente alertar porque não só a pauta dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs) como o tema do trabalho infantil e da proteção integral às crianças e adolescentes não faz parte da agenda política brasileira neste momento, não só na pandemia, mas neste governo.

País tem 2,4 milhões de crianças e adolescentes em situação de trabalho. Foto: Agência Brasil

A: As desigualdades e disparidades no Brasil geram diferentes tipos de exploração da mão de obra de crianças e adolescentes. Quais são as diferenças entre o trabalho infantil urbano e rural?

IO: No Brasil, o trabalho infantil ocorre em todas as 5 regiões geográficas, em todas as unidades da federação, no Distrito Federal e na expressiva maioria dos municípios brasileiros. A desigualdade é determinante para que isso aconteça. Não há nenhuma distinção entre trabalho infantil no campo e na cidade. São violações nos direitos de crianças e adolescentes inaceitáveis, que desrespeitam o que determina a Constituição, que é a garantia absoluta dos direitos de todas as crianças, independente de gênero, cor da pele e localidade onde vivem. Uma característica que chama atenção é que nas cidades há maior concentração do trabalho infantil entre os adolescentes - 80% do trabalho infantil no Brasil acontece nas cidades e são atividades que envolvem adolescentes entre 14 e 17 anos. No campo, as crianças que trabalham, 65% delas têm menos de 14 anos. Todos têm que ser identificados e retirados do trabalho e suas famílias têm que receber apoio da política de proteção social. Seja por transferência de renda, geração de emprego ou outras formas que possam torná-las famílias protetoras. Que elas tenham condições materiais de sustentar os próprios filhos. Já entre os adolescentes, de 14 a 16 anos, têm o direito à formação profissional.

*Foto: Unic Rio < VOLTAR