05 de outubro de 2020 . 14:23

Trajetória de Ruth Bader Ginsburg mudou o mundo, diz João Archegas

Os votos divergentes, o pioneirismo e a luta pela igualdade de direitos de Ruth Bader Ginsburg foram debatidos pelo juiz do Trabalho João Renda e pelo mestre em Direito pela Universidade de Harvard João Victor Archegas, na live cultural de sexta-feira (2). Com mediação da 1ª vice-presidente da AMATRA1, Alessandra Magalhães, a conversa teve como ponto de partida o filme “Suprema” e o documentário “A Juíza”. As obras tratam de diferentes momentos da trajetória da juíza da Suprema Corte dos Estados Unidos, que morreu aos 87 anos, em 18 de setembro. A live está disponível no YouTube e no Facebook.

“Essa é uma boa oportunidade para honrarmos essa trajetória tão rica, que efetivamente mudou o mundo. Não mudou apenas o Direito, mas também a maneira como nós nos relacionamos com nossos pares. A ideia de igualdade de gênero que, há algumas décadas, era uma ideia revolucionária, hoje já é algo que faz parte do nosso dia a dia, e muito graças a Ruth Bader Ginsburg”, disse João Archegas.

Alessandra afirmou que Ruth foi uma defensora da igualdade de direitos, especialmente entre os gêneros, e dedicou sua vida profissional enquanto advogada, juíza e ministra a essa luta. A magistrada ressaltou que a vida e o legado de RBG, como ficou conhecida, foram inspiradores tanto para as mulheres quanto para os homens.

“Os dois filmes retratam alguns dos casos mais importantes dos quais ela participou. Algumas vezes o voto dela não prevaleceu, mas a sensibilização e mobilização que ela conseguiu promover foram tão grandes que levaram a matéria a virar objeto de lei, que acaba se tornando mais efetiva do que a própria decisão”, disse.

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O filme “Suprema” fala sobre a fase inicial de Ruth, mostrando seu ingresso na faculdade de Direito da Universidade de Harvard. João Renda destacou que a então estudante precisou enfrentar a hostilidade do ambiente universitário - no época, a faculdade tinha cerca de 500 homens e 9 mulheres, não tendo sequer banheiro feminino. 

“Junto às outras alunas que ingressaram na faculdade de Direito, ela foi convidada para um jantar pelo então diretor da faculdade, achando que se tratava de um gesto de acolhida. Mas, no início do jantar, ele diz: ‘Quero conhecer muito bem cada uma de vocês, que estão retirando um lugar que poderia ter sido destinado a um homem’. É uma fala muito machista”, afirmou Renda.

João Archegas pontuou, no entanto, que a figura de RBG como uma “feminista convicta” desde a juventude, como a obra ficcional indica, difere um pouco da realidade. Após algumas tentativas de conseguir um bom estágio serem frustradas pela questão de gênero, ela se resignou com a situação.

“Existia essa convicção na Ginsburg jovem de que não conseguia o que queria por ser mulher e que as coisas eram dessa maneira. Isso muda radicalmente depois que ela entra em Harvard e percebe que o Direito pode ser um instrumento de transformação social, que ela pode usar o Direito para mudar a realidade. E muda ainda mais depois de sair de ir para Columbia, quando não consegue um emprego nos grandes escritórios de advocacia mesmo tendo um currículo invejável. Naquele momento, ela percebe que precisaria lutar pela transformação da sociedade para atingir seus objetivos profissionais”, disse. 

Votos divergentes

As famosas divergências de Ruth Ginsburg tiveram destaque no documentário “A Juíza”, relembrou João Renda. O juiz afirmou que muitos votos divergentes clássicos eram sobre matérias trabalhistas, como no caso Ledbetter v. Goodyear, de 2007. 

“Uma mulher que trabalhava em uma fábrica no Alabama, depois de muitos anos na empresa, descobriu que ganhava de 30% a 40% a menos que os homens nas mesmas funções. Ela ajuizou uma reclamação perante a Comissão de Oportunidades Iguais no Emprego e acabou perdendo. O caso chegou até a Suprema Corte, mas por cinco votos a quatro entendeu-se que havia sido ultrapassado o prazo prescricional para a apresentação da reclamação. O voto da Ginsburg foi dissidente.”

Embora ela não tenha vencido aquela ação, cerca de dois anos foi aprovada uma lei no Congresso Nacional, que acabou sendo a primeira sancionada por Barack Obama: a Lei Lilly Ledbetter de Pagamento Justo.

Mulher tímida e de poucas palavras

Em Harvard, enquanto estudava a Suprema Corte dos EUA em análise comparada ao Supremo Tribunal Federal, João Archegas participou de um processo de seleção para alunos que quisessem ter uma reunião presencial com a Ruth e foi selecionado. Ele a descreve como uma mulher de poucas - e precisas - palavras. 

“Achei muito curioso o relato de um dos assessores, que falou da maneira como ela interage com as pessoas, sendo uma pessoa muito reservada que pensa muito antes de dizer as palavras. Quando ela chegou para a reunião, percebi isso claramente. Era uma pessoa de poucas palavras, mas de palavras que ocupam o espaço, fazem pensar. Estava sempre ligada no que estava acontecendo, puxando ganchos. É um brilhantismo que conseguimos perceber rapidamente. Era realmente uma pessoa muito diferente”, contou.

Sucessão de RBG na Suprema Corte

A vaga aberta na Suprema Corte dos EUA com a morte de Ruth Ginsberg foi outro tópico tratado na live cultural. Alessandra Magalhães relembrou o desejo de Ruth em não ser substituída por uma indicação do presidente Donald Trump. No entanto, Trump já indicou a juíza conservadora Amy Coney Barrett, que ainda precisa passar por uma sabatina e votação no senado para ser confirmada. Sua nomeação pode colocar em risco temas já debatidos anteriormente, como a legalização do aborto.

“A candidata escolhida pelo Trump tem credenciais que superam as credenciais básicas para ser uma juíza da Suprema Corte dos EUA e é extremamente qualificada. Tenho certeza que, caso seja aprovada pelo senado, fará um bom trabalho, mas é conservadora, católica, fundamentalista e que, obviamente, se opõe ao direito ao aborto. Existe uma preocupação muito grande na ala liberal de que a confirmação dessa juíza de fato coloque o direito ao aborto em perigo nos Estados Unidos”, disse Archegas.

Veja a live na íntegra:
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